Folha de S. Paulo


REGINALDO TRIPOLI

Qual o papel do zoológico no século 21?

Wong Maye-E/Associated Press
A six-week-old male White Rhino calf covered in mud, stands next to his mother, 32-year-old Donsa, at the Singapore Zoo on Thursday, Sept. 28, 2017. The Singapore Zoo is active with its breeding programs as part of its wildlife preservation efforts. This is the Singapore Zoo's 21st White Rhino calf born in captivity and of these 21, Dosa has given birth to 11 babies. (AP Photo/Wong Maye-E) ORG XMIT: SIN102
Filhote de rinoceronte branco ao lado da mãe no zoológico de Cingapura

Esta é uma pergunta que todos nós deveríamos fazer. É justo manter animais em cárcere perpétuo para entretenimento humano? Que tal inverter a posição para enxergar com os olhos de quem é exposto? Temos que rever o conceito do que é moralmente correto.

Sabia que o último "zoológico humano", para exibir "espécimes exóticos", foi fechado em Bruxelas, na Bélgica, em 1958? Um absurdo, concorda? Eu também. Por isso, em pleno século 21, já passou da hora de refletir e abrir uma discussão mais profunda sobre animais enjaulados.

O zoológico é considerado um importante campo da conservação da biodiversidade, mas precisa evoluir na sua forma. Todos os animais vertebrados são espécies sencientes. A senciência é a capacidade de vivenciar sentimentos como alegria, tristeza, prazer, frustração, raiva, dor, etc.

Em outras palavras, se aprendêssemos a entender os animais, iríamos descobrir que nenhum espaço concebido pelo homem é capaz de substituir o habitat natural. Por mais que o recinto tenha enriquecimento ambiental, as novidades esgotam e trazem a monotonia. Esse tempo ocioso é um grande gerador de estresse, inclusive no zoológico com a melhor condição de funcionamento.

Ou seja, não é possível acreditar em felicidade e bem-estar em jaulas e clausura. Além disso, a situação geral dos zoológicos brasileiros está muito aquém do ideal. São muitos, espalhados pelo país, com denúncias de desnutrição e maus-tratos animais, superlotação, falta de espaço, problemas de infraestrutura e outras irregularidades.

Precisamos refletir se o estudo científico e a educação ambiental vigentes compensam o detrimento e a adulteração da vida selvagem. Será que as milhares de crianças frequentadoras desses parques, sejam acompanhadas por seus responsáveis ou professores, estão realmente aprendendo sobre as espécies, suas necessidades e riscos?

Ou será que essas visitas se limitam a uma opção de lazer e algazarra? Eu mesmo, em idas ao zoológico de São Paulo, conversei de maneira informal com várias crianças que lá estavam. A maioria, no comportamento verdadeiro e genuíno infantil, já sabe que os animais não devem ser aprisionados.

Basta um olhar atento para os espaços construídos para felinos, elefantes, rinocerontes, hipopótamos e tantos outros animais para chegar à conclusão de que eles foram pensados muito mais para a visitação humana do que para o conforto animal. Esses bichos ficam limitados a reduzidas caminhadas, num trajeto repetitivo e depressivo.

Há poucos ou nenhum ponto de fuga (espaço necessário fora do alcance do olhar do público), o que faz o animal anular sua privacidade de forma compulsória e definitiva. Em alguns recintos, há fossos e até cercas elétricas para contenção, uma prisão disfarçada e decorada com adereços que remetam ao habitat natural.

Situação igualmente cruel se repete nos viveiros sem qualquer parâmetro às necessidades de cada espécie. As aves são condenadas a espaços diminutos, insuficientes até para alçar pequenos voos. Com o tempo, a maioria perde a capacidade de voar e, por consequência, qualquer chance de reinserção à natureza.

Vale destacar ainda a necessidade social de alguns indivíduos, por seu comportamento gregário, de viver em grupos. É comum observar muitos desses animais em isolamento. Em situações ainda mais dramáticas, famílias chegam a ser separadas por necessidades de interesse do próprio zoológico e perdem o direito instintivo de formar seus pares livremente. O acasalamento não pode ser imposto por conveniência humana.

A boa notícia é que já existem tecnologias capazes de substituir a vivência proporcionada pelos zoológicos. A realidade virtual, por exemplo, permite que as pessoas estejam próximas aos animais, sem que eles tenham que ser retirados de seus habitats. Uma sensação realista e com verdadeira função de aprendizado e respeito ambiental.

Há, ainda, a disseminação do conhecimento através de museus de história natural e, se possível, safaris para observar os animais em vida livre.

A questão está posta. Por que um ser vivo, sem ter cometido qualquer infração ou crime, é condenado ao encarceramento? É esse exemplo que queremos passar às futuras gerações? Afinal, qual a vida que vale a pena ser vivida?

REGINALDO TRIPOLI é vereador e presidente da Comissão do Meio Ambiente na Câmara Municipal de São Paulo; no Legislativo, sua plataforma é pela defesa animal, preservação ambiental, alimentação saudável e acessível

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