Folha de S. Paulo


LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO

Agro Brasil: século 19 ou 21?

Marcelo Justo/Folhapress
TANGARÁ DA SERRA, MS, BRASIL, 27-03-2012, 14h30: Colheita do final da safra de soja na fazenda Morro Azul do grupo A. Maggi, que fica há 70 km do centro de Tangará da Serra, no Mato Grosso do Sul. A colheita foi realizada com 17 colheitadeiras Case II, segundo os administradores do grupo A. Maggi, a safra atual deu 60 sacas por hectare num total de 39.400 mil hectare plantado. (Foto: Marcelo Justo/Folhapress, MERCADO) ORG XMIT: AGEN1203272006037963
Colheita do final da safra de soja em fazenda em Mato Grosso

As manchetes a respeito do agronegócio cada vez mais acentuam as suas contradições. A supersafra vem acompanhada da revisão sobre o trabalho escravo, e os drones vão conviver com a senzala.

Os milhões de toneladas da próxima safra devem vir acompanhados de longas jornadas de trabalho e perdas salariais para os trabalhadores rurais da ordem de 20%. Tornou-se possível reduzir a remuneração e tornar mais pesado o trabalho de um dos estratos de trabalhadores mais pobres e com situação mais precária do país.

No campo ambiental seguem os ataques às terras públicas, como a Reserva do Jamanxim, brechas para grileiros desmatadores e mudanças para flexibilizar a regulação sobre os agrotóxicos e para o licenciamento ambiental.

A dívida dos produtores com o crédito rural oficial foi rolada novamente. Ademais, o UOL revelou que a dívida de proprietários rurais com a União relativa ao ITR (Imposto Territorial Rural) cresceu 49% em cinco anos e chegou a R$ 28,5 bilhões.

O setor nem paga o seu imposto mais básico, que já é muito baixo e sistematicamente subdeclarado e sonegado no Brasil. O recente relatório da Oxfam Brasil sobre as desigualdades aponta o tamanho da concentração da terra em nosso país.

Mas é importante destacar a concentração dos passivos do agro com a nossa sociedade. Segundo o UOL, os cinco maiores devedores do ITR acumulam uma dívida de R$ 4,9 bilhões. Estudo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e da Esalq-USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) concluiu que 6% dos imóveis rurais têm 59% da área da "dívida" com o Código Florestal.

Embora impactem todos e atinjam muitos laranjas, as concessões aos grileiros e aos escravocratas beneficiam muito poucos. O atraso está localizado em uma minoria podre que passou a dominar o Planalto e o Congresso.

A sociedade civil tem feito o seu papel de apontar os retrocessos e as suas consequências. Também tem criado mecanismos para a diferenciação dos responsáveis dos podres para o mercado e para o mundo. Todavia, a liderança do agro segue indivisível, monolítica, retumbando sobre os progressos do setor. Associações de classe e líderes seguem com o discurso afinado de que vai tudo ótimo.

Esta cegueira política não cabe mais num ambiente moderno e globalizado. O mundo nos cobra coerência. Se a sociedade civil vem fazendo o seu papel, chegou a hora de a banda responsável do agro ter a coragem de enfrentar o problema e fazer a faxina necessária para separar o joio do trigo.

Enquanto isso não for feito, seremos todos joio e naufragaremos no século 21 sequestrados pelos líderes do século 19.

LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO é engenheiro agrônomo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e faz parte da Rede Folha de Empreendedores Sociais

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