Folha de S. Paulo


MORTON SCHEINBERG

Artrite reumatoide e retrocesso no SUS

Zanone Fraissat/Folhapress
SÃO PAULO, SP - 14.04.2010: ANVISA/PROIBIÇÃO/REMÉDIOS/SP - O STJ (Superior Tribunal de Justiça) suspendeu as liminares que permitiam que farmácias ligadas à Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) e à Febrafar (Federação Brasileira das Redes Associativas de Farmácias) continuassem a vender remédios sem prescrição médica nas prateleiras e outros produtos que não são medicamentos --como refrigerantes e doces, por exemplo. (Foto: Zanone Fraissat/Folha Imagem/Folhapress)
Ministério da Saúde estuda cortar 6 dos 8 medicamentos listados para tratar artrite reumatoide

Artrite reumatoide é uma doença autoimune de natureza inflamatória, na qual vários componentes do sistema imune combatem as células das articulações, podendo atingir também outros tecidos do corpo humano.

A doença se manifesta por dor e inchaço nas juntas das articulações, como mãos, punhos, quadris e joelhos. Essas regiões podem ser acometidas ao mesmo tempo ou em diferentes períodos ao longo da evolução da enfermidade, o que se denomina de poliartrite migratória. Estima-se que a doença afete cerca de 1% da população mundial, com incidência maior no sexo feminino.

Embora sua alta complexidade dificulte o tratamento, nas últimas duas décadas houve grande progresso no arsenal medicamentoso. Os produtos conhecidos como biológicos (por não serem produzidos por síntese química) ajudaram os pacientes com o alívio da dor típica da artrite e hoje já estão disponíveis no Sistema Único de Saúde. Essa terapia atenua sintomas e deformidades, reduzindo a necessidade de cirurgias e absenteísmo.

O alívio, porém, não perdura. Com o tempo, em períodos que variam de meses a anos, a maioria dos pacientes para de responder favoravelmente ao tratamento. É necessária, assim, a troca por produtos com outro mecanismo de ação.

O Ministério da Saúde anunciou sua intenção de comprar somente dois dos oito medicamentos biológicos disponíveis hoje no sistema público, segundo nota publicada nesta Folha em 18 de julho de 2017, na coluna Mercado Aberto.

O governo teria apresentado estudos que comprovariam os benefícios de adquirir apenas esses produtos, de forma a onerar menos seus cofres. Mas esses estudos não têm fundamento científico, apenas econômico, e defendem uma tese que favorece exclusivamente o governo. E não o paciente.

Com essa medida, o governo está revertendo o enorme avanço que o Brasil obteve no tratamento da artrite reumatoide nos últimos anos, um verdadeiro exemplo de sucesso, várias vezes apresentado internacionalmente por comprovar a importância de o país oferecer esses medicamentos na rede pública. Quem mais se beneficiou com a inclusão dos biológicos no SUS foram os pacientes. E são eles que mais serão prejudicados caso essa medida se concretize.

Há outras formas de reduzir custos, como o processo de transferência de tecnologia, em parcerias nas quais as indústrias farmacêuticas que investirem na produção de medicamentos biossimilares tenham seus interesses preservados nas compras do Ministério da Saúde.

Ainda estamos longe de uma cura para a artrite reumatoide, mas estamos trabalhando para termos cada vez mais opções medicamentosas, com diferentes mecanismos de ação, para podermos continuar tratando a doença mesmo quando a primeira linha de terapia deixou de funcionar.

Neste momento, há mais de 60 novos medicamentos sendo testados. Mas nada disso chegará ao paciente se não criarmos formas de tornar esses produtos acessíveis.

É preciso haver um equilíbrio entre a ciência e a economia. O ponto aqui é que não devemos nos esquecer da doença, e de como fazemos para controlá-la.

Excluir esses medicamentos seria prejudicial a todos, principalmente considerando o envelhecimento da população e a necessidade de mantermos a qualidade de vida dos brasileiros, para que permaneçam economicamente ativos. Perdem todos. E quem ganha são os cofres públicos.

MORTON SCHEINBERG é livre-docente pela USP e reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein

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