Folha de S. Paulo


FLÁVIO EMIR ADURA E ALY SAID YASSINE

Pare...e repense

Rubens Cavallari - 9.mar.2017/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 09.03.2017: ACIDENTE-SP - Acidente entre moto e carro na pista expressa, sentido Castelo Branco, da marginal Pinheiros, próximo à avenida das Nações Unidas, na zona sul de São Paulo. Uma das novas viaturas da CET atende a ocorrência pela Operação Marginal Segura. (Foto: Rubens Cavallari/Folhapress)
Acidente entre moto e carro na pista expressa da marginal Pinheiros, na zona sul de São Paulo

Demonizar o motociclista e impedi-lo de exercer sua atividade ocupacional nunca será nossa proposta. A preservação da vida é o maior objetivo de existirmos como humanos e, principalmente, como profissionais da medicina.

Os números que envolvem os motociclistas falam por si. Apesar de representarem apenas 27% do total da frota de veículos brasileiros, desde 2009 eles são as principais vítimas de acidentes fatais e não fatais do trânsito brasileiro.

Diariamente 34 motociclistas perdem suas vidas no nosso trânsito; interrompem de maneira abrupta seus sonhos e deixam órfãos à procura de respostas. A vulnerabilidade dos motociclistas é de tal nível que a letalidade dos acidentes em que se envolvem chega a ser 17 vezes maior que a dos que atingem ocupantes de automóvel.

Há no Brasil um incontável número de motociclistas, na sua grande maioria jovens, com sequelas definitivas secundárias ao seu deslocamento no trânsito. O crânio e os membros inferiores são os locais mais atingidos quando esses condutores se envolvem em colisões, atropelamentos e outro eventos adversos no trânsito.

A maior dificuldade de os motociclistas serem vistos na via por outros condutores, o comportamento e a forma de conduzir a motocicleta, tais como excesso de velocidade e ultrapassagens arriscadas, interferem decisivamente no índice de mortalidade.

O deslocamento de motos nos chamados corredores, o espaço entre duas filas de veículos, é agravante nos acidentes, principalmente na velocidade em que se deslocam quando os outros veículos também estão em movimento.

A passagem por corredores entre os carros é a causa de cerca de 35% dos acidentes fatais com motocicletas em São Paulo, segundo levantamento realizado pela Companhia de Engenharia de Tráfego.

O artigo do Código de Trânsito Brasileiro que previa a proibição de motocicletas no corredor foi vetado em 1997. Apesar de não ser ilegal o uso do expediente, as motocicletas devem seguir as regras de circulação geral como todos os demais veículos.

Desse modo, deixar de guardar distância de segurança, lateral ou frontal, de outro veículo seria interpretado como infração, e o usuário poderia ser multado -o que, na prática, não se observa hoje nas vias brasileiras. A vida, a integridade das pessoas, deve prevalecer, mesmo que a lei seja omissa.

O elevado risco de conduzir motocicleta deveria ser compensado com políticas específicas voltadas para a formação e treinamento de seus condutores, já que mais da metade deles, 55%, sofreu acidentes prévios, segundo pesquisa coordenada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Uma rigorosa legislação focada em ações concretas e sistemáticas de fiscalização, visando a coibir a condução perigosa e a incrementar os níveis de segurança dos motociclistas e também dos demais usuários da via, seria muito bem-vinda.

Analogamente ao que aconteceu com a obrigatoriedade do cinto de segurança e do uso do capacete, a proibição da circulação dos motociclistas nos corredores é marcador de tendência e modificador de comportamento. Assim, pretende-se que a formulação de legislação específica possa também ser capaz de modificar o padrão atual de circulação.

A comodidade da entrega de documentos em poucos minutos ou a chegada do alimento, ainda quente, a nossos domicílios ou ao local de trabalho não podem justificar a perda de vidas humanas.

FLÁVIO EMIR ADURA é vice-presidente da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego)
ALY SAID YASSINE é diretor do Departamento de Inovação e Tecnologia da Abramet

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