Folha de S. Paulo


JULIETA JERUSALINSKY

Detecção de risco psíquico em bebês

Fabio Braga - 6.out.2011/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 06-10-2011: Criancas brincam no parquinho da creche. Diretores de uma creche conveniada a prefeitura chamada Nair Salgado proxima ao Cingapura tem medo de a unidade ser fechada por causa da contaminacao. O espaco e mantido pelo Fundo de Pensao dos Aposentados e atende cerca de 167 criancas. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, CIDADES)
Crianças brincam em creche em SP; atenção com possíveis problemas psíquicos deve começar cedo

Os pais chegam aos consultórios e contam que o filho, com pouco mais de três anos, recebeu diagnóstico de grave patologia psíquica. Muito antes, já percebiam que seu bebê enfrentava dificuldades, mas, ao levar essa preocupação a profissionais de educação e saúde, haviam sido aconselhados a esperar.

Nos consultórios públicos e privados de atendimento psíquico infantil, essa é uma história que se repete. Os numerosos casos revelam, acima de tudo, um grave sintoma do campo da saúde, em que se passa de uma conduta expectante ao longo dos primeiros anos de vida, sem tratamento algum, a diagnósticos fechados da maior gravidade. Uma medida recente, porém, pode mudar essa realidade.

Sancionada em abril, a lei 13.438 determina a necessidade de adoção de protocolo ou instrumento similar para detectar risco psíquico em consultas pediátricas de acompanhamento do desenvolvimento de bebês de 0 a 18 meses.

O Ministério da Saúde fez nesta semana a primeira reunião técnica para discutir formas de implementação e seus instrumentos, que podem nos levar rumo a uma detecção precoce de sofrimento para favorecer bebês em risco ou rumo a uma patologização precoce.

Hoje em dia, o acompanhamento do desenvolvimento dos bebês está centrado em verificar se os órgãos que sustentam as diferentes funções (olhar, vocalizações, psicomotricidade etc.) não apresentam patologias. Mas igualmente importante é verificar como tais funções são postas em funcionamento na relação do bebê com os outros.

Ou seja, se um bebê tem um atraso de linguagem, é importante verificar se ele ouve, mas igualmente importante é verificar se ele vocaliza se dirigindo aos demais e se os que dele cuidam consideram as suas produções corporais, gestuais e sonoras como um dizer.

Isso porque as conquistas que uma criança faz ao longo do desenvolvimento dependem não só de um organismo saudável, mas também do contexto cultural, educacional e familiar na qual se produzem as suas incipientes respostas psíquicas.

Também é predominante na saúde a concepção de que só seria possível encaminhar alguém a tratamento quando se fecha o diagnóstico de um quadro psicopatológico plenamente configurado em suas sintomatologias. Mas essa é uma noção equivocada quando aplicada à primeira infância.

Antes dos três anos de idade, os indicadores de sofrimento são muito sensíveis, mas pouco específicos por patologia (como afirma a Organização Mundial da Saúde). Ou seja, os bebês são desobedientes às classificações psicopatológicas.

Por isso, não se devem utilizar protocolos que buscam ativamente signos de psicopatologias específicas nessa fase, sob o risco de acabar induzindo-as.

Em lugar disso, é preciso transmitir aos profissionais do acompanhamento do desenvolvimento indicadores de referência para a constituição psíquica presentes na produção espontânea do bebê e de seus cuidadores.

É a ausência desses indicadores que denota que algo "não vai bem", sendo então necessária uma intervenção especializada, sem estabelecer correlação com nenhuma patologia específica.

A transmissão desses critérios foi o objetivo de uma pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Saúde, que resultou nos Indicadores de Risco para o Desenvolvimento Infantil (Irdi), instrumento aplicável em consultas de acompanhamento de bebês de 0 a 18 meses.

A clínica interdisciplinar dos problemas do desenvolvimento, com as contribuições da psicanálise, demonstra que a intervenção precoce pode favorecer e, em muitos casos, alterar de forma profunda os rumos da constituição de um bebê.

Por isso, não se deve deixar o tempo passar e, muito menos, subordinar a detecção de risco e sua subsequente intervenção a fechamentos diagnósticos.

JULIETA JERUSALINSKY é psicanalista, especialista em estimulação precoce, mestre e doutora em psicologia clínica (PUC-SP)

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