Folha de S. Paulo


JOÃO CARLOS MARTINS

João, o maestro

Fernando Mucci/Divulgação
Alexandre Nero interpreta João Carlos Martins em 'João, o Maestro
O ator Alexandre Nero interpreta João Carlos Martins em 'João, o Maestro'

Sempre digo que o meu problema é muito menor do que o de uma pessoa que tenha perdido a visão ou ficado tetraplégica, etc, etc.., mas pela exposição na mídia sinto uma responsabilidade enorme junto a pessoas portadoras de deficiências. Afinal, sou simplesmente um pianista que perdeu as mãos para o piano, do ponto de vista profissional.

Na semana passada, tive uma das experiências mais emocionantes da minha vida, quando o filme "João, o Maestro", após uma pequena palestra minha, foi apresentado para detentos do Complexo de Bangu no Rio de Janeiro, no mesmo dia em que a cidade viveu momentos dramáticos de violência e medo, que impressionaram profundamente o Brasil e o resto do mundo.

Um amigo jornalista de São Paulo, por telefone, brincou comigo dizendo que eu estava no lugar mais seguro do Rio de Janeiro naquele momento. Mas o que me impressionou mesmo foi ver que a maioria dos detentos tinha a idade média entre 20 e 27 anos.

Surpreendeu-me o quanto eles choraram após assistirem ao filme, que não tem nada a ver com violência, com uma trilha sonora, pela primeira vez no Brasil, com Bach, Beethoven, Ravel, Tchaikovsky, Ginastera e Villa-Lobos, mas que aborda, do começo ao fim, como ultrapassar adversidades, como reconhecer erros e procurar corrigi-los, e como tentar aprimorar suas qualidades.

Em outras palavras, o filme trata da palavra superação, que prefiro chamar de teimosia, e da trajetória da esperança em relação à vida.

Não me contive, ultrapassei as barreiras e fui ao encontro destes jovens que quase me afogaram entre abraços e lágrimas, compartilhadas com a deste "velho maestro".

Comecei a refletir, mais do que nunca, sobre o que formadores de opinião sempre dizem -o maior problema do Brasil chama-se educação, que automaticamente está aliada à cultura.

Aproveito para repetir aqui a célebre frase de Villa-Lobos, que dizia que não é um povo inculto que irá julgar as artes, mas sim as artes é que mostram a cultura de um povo.

Por que nós não seguimos outros países que têm como objetivo primeiro a educação, resultando numa evolução fantástica como exemplo de nação?

"João, o Maestro" me trouxe uma enorme satisfação pelo perfeccionismo tanto da direção, quanto da produção e dos atores, como pela receptividade que tive de todos aqueles que assistiram.

O filme começará sua carreira internacional nos próximos meses, me incentivando cada vez mais a continuar minhas ações por este Brasil afora, mas creio que raros momentos poderão se igualar à emoção que tive vendo a reação dos cerca de 300 jovens de Bangu, que nos seus olhares mostravam que toda pessoa também pode ter o bem dentro de si.

JOÃO CARLOS MARTINS, 77, é maestro da Bachiana Filarmônica SESI-SP

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