Folha de S. Paulo


OLIVER STUENKEL

Janela de oportunidade se fechou

Boris Vergara - 14.ago.2017/Xinhua
(170814) -- CARACAS, agosto 14, 2017 (Xinhua) -- Miembros de la Fuerza Armada Nacional Bolivariana (FANB) participan durante un evento en el Fuerte Tiuna en Caracas, Venezuela, el 14 de agosto de 2017. El ministro de Defensa de Venezuela, Vladimir Padrino López, llamó el lunes a cerrar filas contra la
Membros das Forças Armadas da Venezuela em exercício; diálogo tem de passar por militares

Depois de numerosas tentativas frustradas ao longo dos últimos anos, fica evidente que governos da região não possuem a capacidade de ajudar a Venezuela a sair do fundo do poço. Há três razões pelas quais um esforço regional liderado pelo Brasil é implausível.

Primeiro, resta muito menos da democracia venezuelana hoje do que se via em 2003, quando o grupo "Amigos da Venezuela", capitaneado pelo Brasil, foi crucial para restabelecer o diálogo entre o governo e a oposição.

Enquanto a distribuição de forças entre o governo de Hugo Chávez (1954-2013) e a oposição estava relativamente equilibrada à época, criando um incentivo para o diálogo, hoje o governo Maduro e as Forças Armadas concentram quase todo o poder.

Agora, a Venezuela é uma mistura de ditadura civil-militar e Estado falido, com vários oposicionistas presos ou exilados.

O que resta da oposição deixou de ter um papel relevante na política venezuelana. A maior ameaça a Maduro não vem da oposição, mas do próprio chavismo. Portanto, os incentivos para ele negociar uma saída são baixos.

Maduro sabe que, ao aceitar a promoção de eleições livres -condição inegociável para a oposição-, uma possível derrota nas urnas levaria a maior parte dos líderes políticos e militares do chavismo à prisão por envolvimento com tráfico de drogas, corrupção ou abusos de direitos humanos.

Em segundo lugar, o governo brasileiro está consumido por uma crise interna da qual dificilmente sairá antes das eleições em 2018, dificultando a articulação de uma estratégia regional.

Mesmo um governo brasileiro mais estável teria dificuldades de estabelecer um diálogo com o ator mais importante na Venezuela de hoje: as Forças Armadas, cuja aprovação é necessária para que Maduro tome qualquer decisão.

Sem uma diplomacia paralela sofisticada entre as Forças Armadas brasileiras e venezuelanas, não há como promover um diálogo real.

Por fim, qualquer tentativa de o Brasil liderar um esforço regional seria pouco viável pelo fato de nenhum dos quatro atores mais influentes na Venezuela hoje -Cuba, EUA, Rússia e China- integrar a América do Sul.

O ator mais poderoso na Venezuela é Pequim, que se tornou o maior investidor e credor do país. Com empréstimos de mais de US$ 65 bilhões a Caracas desde 2005, a China é um ator político que não se pode mais deixar fora da equação.

O segundo ator-chave é Washington, que continua comprando em torno de 700 mil barris de petróleo por dia. Contudo, em razão das sanções econômicas, o país vem perdendo espaço, e o governo venezuelano já articulou um plano B caso Donald Trump opte por um embargo econômico: compensar as perdas vendendo mais petróleo à China e à Índia.

O terceiro ator mais influente é a Rússia, cujos investimentos em blocos de petróleo salvaram a Venezuela do colapso no ano passado. Há sinais de que Moscou está disposta a investir alto para dar sobrevida ao regime de Maduro.

A parceria com Caracas é importante por várias razões. Entre 2012 e 2015, a Venezuela tornou-se o segundo maior comprador de armas russas. O regime também apoia os russos em fóruns multilaterais, quando Moscou continua sofrendo de isolamento.

Cuba, por fim, ainda presta ajuda incalculável no nível multilateral, evitando o isolamento diplomático e assessorando Maduro em questões internas.

Qualquer tentativa de melhorar a situação na Venezuela -seja pelo diálogo ou pressionando Caracas a aceitar ajuda humanitária- requer que China, EUA, Rússia e Cuba sentem à mesa. Na melhor das hipóteses, seremos coadjuvantes.

OLIVER STUENKEL, 35, é professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo

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