Folha de S. Paulo


Luís Henrique Machado

Provas apresentadas pela JBS deveriam ser anuladas? SIM

ELEMENTOS APONTAM PARA A NULIDADE

A Operação Lava Jato tem levado o debate sobre a ciência do direito aos mais variados ambientes. O país ganha cada vez mais quando cidadãos, mesmo de outros ramos, propõem-se a debater e entender os magistrados, promotores e advogados.

Tornar o sistema de Justiça acessível a todos passa, obrigatoriamente, pela disseminação de informações sobre o funcionamento e a aplicação da lei.

Neste momento, é motivo de indignação para parte da população a possibilidade de anulação das provas colhidas a partir da delação da JBS celebrada com o Ministério Público Federal. No entanto, a utilização sem a devida atenção à lei pode gerar danos ao sistema normativo, ao se admitir materiais ilícitos no processo.

Importante frisar que já existem elementos suficientes que apontam para a nulidade. O fato de o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures ter sido filmado pela polícia sem a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) configura a obtenção de prova ilícita.

A Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) não deixa dúvidas ao estabelecer a necessidade de comunicação prévia ao magistrado para se autorizar a ação controlada. No caso concreto, a lei não foi obedecida.

Em outro episódio do caso JBS, Joesley Batista gravou clandestinamente o presidente da República, Michel Temer. Joesley agiu na qualidade de agente provocador, solapando o princípio da não autoincriminação. Já existem, inclusive, precedentes da Corte Europeia de Direitos Humanos vedando a postura da pessoa que provoca o outro interlocutor com o intuito de se obter uma dada resposta.

É válido esclarecer que a anulação das provas e a invalidação do acordo de colaboração são questões juridicamente distintas -uma não implica a outra.

Para anular a prova, é necessário comprovar o vício no momento de sua produção. Em outra mão, para que o acordo e os benefícios sejam revogados, os delatores devem, por exemplo, mentir ou omitir fatos ilícitos que tenham praticado.

Há ainda fatos que, se confirmados, levarão à necessidade de invalidação. É o caso, por exemplo, de notícias sobre o ex-procurador Marcello Miller, que, ainda no exercício da função e por solicitação da JBS, teria direcionado a elaboração da proposta de acordo.

Confirmada essa hipótese, Miller cometeu, em tese, crime de advocacia administrativa, além de atos de improbidade. Já os delatores responderiam por tráfico de influência, o que ocasionaria a cassação de seus benefícios, sem prejuízo da prova coletada.

No entanto, se, além disso, ficar comprovado que o ex-procurador, ainda no cargo, orientou Joesley a gravar o presidente Temer, viria à tona o caso em que um particular atuou como agente infiltrado, podendo culminar, novamente, na nulidade da prova.

De acordo com a lei 12.850/2013, somente agentes do Estado podem exercer a função investigativa, sendo inadmissível infiltração por meio de criminosos confessos.

E o pior: sem prévia autorização judicial, o que contaminaria toda a cadeia de material produzido, por força da teoria conhecida como "os frutos da árvore envenenada", já reconhecida pela jurisprudência do STF.

Por fim, resta dizer que, apesar do clamor popular e da cobrança pela manutenção das provas produzidas pela JBS, é importante ressaltar que elas não são insuscetíveis de controle jurídico. Afinal, não se faz justiça fechando os olhos para a lei, tampouco para a Constituição.

PARTICIPAÇÃO

LUÍS HENRIQUE MACHADO, doutor em processo penal pela Universidade de Humboldt (Alemanha), é advogado criminalista

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: