Folha de S. Paulo


Ricardo Lewandowski

Democracia participativa já

Lula Marques - 2.jul.2009/Folhapress
Sombra de uma bandeira em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília
Sombra de uma bandeira em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília

Numa República, os governantes, escolhidos pelo povo, são responsáveis diante dele pela gestão dos negócios públicos. Não exercem o poder por direito próprio, constituindo meros mandatários dos cidadãos.

Nessa forma de governo, impera a soberania popular, que encontra expressão por meio de representantes eleitos, apartando-se dos regimes autocráticos, nos quais os cidadãos não têm qualquer influência sobre os detentores do poder.

A legitimidade dos representantes do povo radica em eleições periódicas, que têm como base o sufrágio universal, igual, direto e secreto. O sistema representativo pressupõe, ainda, a existência de mecanismos que estabeleçam o predomínio da vontade da maioria, com a garantia de que as minorias encontrem expressão no plano político.

Para tanto, é preciso assegurar não só um pluripartidarismo autêntico como também a mais ampla liberdade de opinião, de reunião e de associação, além de outras franquias como o voto proporcional.

A participação popular hoje, contudo, não ocorre mais apenas a partir do indivíduo, do cidadão isolado, ente privilegiado e até endeusado pelas instituições político-jurídicas do liberalismo.

O final da centúria passada e o século 21 certamente entrarão para a história como épocas em que o indivíduo se eclipsa, surgindo em seu lugar as associações, que se multiplicam nas chamadas "organizações não governamentais", as quais hoje expressam parcela considerável dos múltiplos e complexos interesses que se entrecruzam na sociedade contemporânea.

Esse fato, aliado às deficiências da representação política tradicional, deu origem a alguns institutos que diminuem a distância entre os cidadãos e o poder, com destaque para o plebiscito, o referendo, a iniciativa legislativa, o veto popular e o recall, também conhecido como referendo revogatório, que permite ao povo rescindir mandatos eletivos.

Os constituintes de 1988, nesse aspecto, empreenderam um enorme salto qualitativo, ainda não suficientemente explorado, que correspondeu à transmudação de uma democracia meramente representativa numa democracia participativa.

Sim, porque em praticamente todas as nossas Constituições sempre constou a expressão "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido". Na atual, operou-se uma mudança sutil, porém significativa, quando se fez constar o seguinte: "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Ocorre que, embora o texto constitucional vigente tenha incorporado formalmente alguns dos institutos da democracia participativa, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa legislativa, as barreiras antepostas ao seu emprego são tão severas que raras vezes lograram ser implementados.

A reforma política em curso no Congresso Nacional, paralisada por falta de consenso, poderia ao menos dar concreção à vontade dos constituintes originários, tornando operantes os instrumentos da democracia participativa já adotados, além de acrescentar aos já existentes o referendo revogatório e o veto popular.

Quem sabe assim a vontade dos cidadãos possa ser aferida de modo mais imediato e autêntico, sem prejuízo do aperfeiçoamento futuro dos atuais mecanismos de escolha de nossos mandatários, notoriamente deficientes.

PARTICIPAÇÃO

RICARDO LEWANDOWSKI é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da USP e ministro do Supremo Tribunal Federal

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