Folha de S. Paulo


Emanuel Ornelas

O fetiche do estádio próprio

Doug Patricio/Brazil Photo Press/Folhapress
Fred e Leonardo Silva do Atlético Mineiro durante partida contra o Jorge Wilstermann em jogo válido pelas oitavas de final da Copa Libertadores da America
Fred e Leonardo Silva do Atlético Mineiro durante partida contra o Jorge Wilstermann em jogo válido pelas oitavas de final da Copa Libertadores da America

No dia 18 de setembro, o Conselho Deliberativo do Atlético Mineiro decidirá se o time construirá um estádio de futebol. As manifestações na imprensa são de total apoio à iniciativa. O assunto, porém, merece maior reflexão, inclusive porque os argumentos ecoam equívocos usualmente encontrados nas discussões de políticas públicas no Brasil.

Há três argumentos principais usados para justificar o projeto do estádio próprio, que discuto a seguir.

1) O clube não terá custos com a construção do estádio.

O projeto tem sido veiculado como um grande negócio. Afinal, o Atlético não teria despesas. Usaria, porém, R$ 250 milhões que serão obtidos com a venda de 50,1% do Diamond Mall, shopping atualmente arrendado pelo clube.

A questão é apresentada como se existissem apenas duas opções: usar o dinheiro no estádio ou não o receber. Não é esse o caso, pois os R$ 250 milhões não são condicionais a esse fim.

Com R$ 20 milhões o clube poderia contratar um ótimo jogador e pagar seus salários por três anos. Com R$ 250 milhões, adquire-se um time inteiro de ótimos atletas. Será que isso traria menos sócios-torcedores e venderia menos camisas que o estádio, para citar dois objetivos usados na justificativa da construção? Mais importante, o que os torcedores prefeririam: um estádio ou um esquadrão de futebol?

Em suma, embora o Atlético não tenha que desembolsar recursos para financiar a obra, isso não significa que ela não tenha custos. O clube pode usar os recursos da venda do shopping de forma mais produtiva para o seu presente e futuro.

2) É importante ter "casa própria", como os grandes times.

O "sonho da casa própria" pode fazer sentido para um indivíduo. Para um clube de futebol, é apenas um fetiche. Um fetiche muito caro.

Sim, muitos grandes times do mundo possuem estádio próprio. Essa associação, todavia, não significa causalidade: as equipes não se tornaram grandes porque construíram um estádio.

E provavelmente não o teriam feito se tivessem à disposição dois outros espaços recém-reformados. O Atlético tem esse privilégio, podendo utilizar o Mineirão para os jogos maiores e o Independência para os demais.

Portanto, o argumento da "necessidade do estádio próprio" é falacioso. Utilizá-lo logo após o período das "farras dos estádios" da Copa do Mundo é ofensivo.

3) O estádio permitirá resgatar "o pessoal da geral".

O "pessoal da geral" está fora dos estádios porque o custo do futebol hoje é muito mais alto do que era.

Não é simples resolver tal problema. Lembremo-nos dos operários do Itaquerão que receberam ingressos de graça para a abertura da Copa: quase nenhum foi ao jogo, preferindo revendê-los ao preço de mercado.

E mesmo se a diretoria conseguisse levar os ingressos superbaratos aos "geraldinos" e pudesse impedi-los de revendê-los, tal iniciativa não requereria um estádio próprio: o Independência e o Mineirão permitem ao clube, caso deseje, fazer exatamente o mesmo.

Portanto, os argumentos em prol da construção do estádio não se sustentam após um olhar minimamente cuidadoso. Na verdade, abusam de apelos emocionais e populistas, similares em tom e substância àqueles que permeiam o debate de políticas públicas no país.

PARTICIPAÇÃO

EMANUEL ORNELAS, doutor em economia pela Uniersidade de Wisconsin-Madison (EUA), é professor titular da Fundação Getulio Vargas (e atleticano)

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