Folha de S. Paulo


Marcus Vinicius Furtado Coêlho

O legado da crise

Lula Marques - 2.jul.2009/Folhapress
Sombra de uma bandeira do Brasil em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília
Sombra de uma bandeira do Brasil em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília

A adoção simultânea da forma republicana de governo e do regime democrático, como estabelecido pela Constituição, é um grande trunfo em favor da sociedade neste momento em que uma grave crise abala a credibilidade e o funcionamento das instituições motoras do Estado.

Essa junção permite saber que, por mais que haja especulações, articulações de bastidores e incessantes denúncias contra os ocupantes do poder, a lei determina a realização de eleições, em outubro de 2018, para escolha de presidente da República, governadores, senadores e deputados federais.

O voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea, não podendo ser modificada por emenda, como descrito no parágrafo 4º do artigo 60 da Carta.

O desafio da sociedade no período que nos separa do próximo pleito é impedir que a herança da crise seja o esfacelamento dos mecanismos que, hoje, asseguram o mínimo de previsibilidade para o país.

Os atores institucionais, das esferas pública e privada, precisam atuar para que o legado deste período difícil seja o fortalecimento de valores como a transparência, a participação e a equidade perante a lei.

Não estão entre os princípios fundamentais do Brasil, consagrados nos artigos de 1º a 4º da Constituição, a sobrevivência a qualquer custo dos grupos políticos nem a formulação, pelos legisladores, de regras que favorecem suas causas particulares.

Algumas medidas atualmente em debate só contribuem para aumentar a descrença na política e o fosso entre a população e seus representantes. A defesa da cidadania exige ainda a garantia de que a próxima votação ocorrerá em ambiente favorável à continuidade democrática.

São frequentes, no período atual, as tentativas de impor retrocessos ao sistema de direitos e garantias fundamentais -que também são cláusula pétrea e servem para assegurar e delimitar as liberdades dos cidadãos e impor freios à ação estatal contra os indivíduos.

Qualquer ataque aos direitos fundamentais, no entanto, prejudica diretamente o ambiente eleitoral. As bases da democracia são interligadas. Infelizmente, essas investidas partem até mesmo de agentes estatais, movimentos organizados e detentores de mandato.

Um clima eleitoral salutar não aparecerá automaticamente. São muitos os obstáculos a vencer. Um deles é o fato de alguns setores da sociedade, da esquerda e da direita, aplaudirem as violações cometidas contra seus adversários. É hora de lembrar que o Estado de Direito existe, sobretudo, para proteger os adversários.

Se há esperança concreta, neste momento, trata-se do resultado da lição de casa bem-feita no passado recente, antes da deterioração política.

A mobilização da sociedade civil conquistou novidades que tornaram o sistema político-eleitoral mais maduro e menos permeável à corrupção, dando ao arcabouço legal novos instrumentos capazes de propiciar mais segurança nas eleições, mesmo em contextos de crise institucional.

A eleição nacional de 2018 será a primeira sob as novas regras. Estão proibidas doações de empresas e doações ocultas. Nos dois casos, em ações ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal, ficou consagrado o entendimento de que o Estado e seus operadores estão a serviço da coletividade.

O compromisso do candidato deve ser só com o eleitor, que tem o direito de saber quem irriga as campanhas. Parte substancial dos desvios que hoje enfraquecem o país têm relação direta com práticas eleitorais espúrias e encontrarão, agora, um sistema bem menos permissivo.

É preciso assegurar a manutenção do sistema institucional para que a lei seja aplicada com rigor e o Brasil volte a trilhar o caminho do progresso com estabilidade.

Deve a sociedade fiscalizar a atuação de seus representantes para, chegadas as eleições de 2018, exercer aquele que é o seu mais poderoso instrumento de accountability: o voto.

PARTICIPAÇÃO

MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, advogado constitucionalista, foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

PARTICIPAÇÃO

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