Folha de S. Paulo


ALESSANDRA MONTEIRO, DANILO R. LIMOEIRO e TABATA AMARAL DE PONTES

Distritão, uma proposta perigosa

Não existe bala de prata para consertar o sistema político brasileiro. O recente relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresenta alguns avanços, como o fim das coligações proporcionais, mas outras propostas, como a lista fechada, têm efeitos menos certos.

De toda forma, algumas ideias que rondam o meio político são claramente nefastas e só pioram os problemas atuais.

Esse é o caso do chamado distritão. Com a medida, as vagas de deputados federais e estaduais serão distribuídas para os candidatos mais votados, independente de seus partidos. Atualmente, as cadeiras dos parlamentares são uma combinação de votos recebidos por candidatos e agremiações.

Indo contra os anseios da população, o distritão beneficia os partidos e políticos que já estão no poder. Nesse modelo, o candidato precisa ser competitivo frente todo o eleitorado de seu Estado. Por isso levam vantagem os nomes já conhecidos pela população ou que contam com a máquina pública/partidária para se tornarem populares.

Análises com dados de eleições anteriores corroboram essa suspeita. Simulamos um cenário em que os candidatos mais votados são ranqueados, independente do partido. A partir daí, checamos quais novos deputados teriam sido eleitos por essa regra e quais ficariam de fora.

Se o distritão já funcionasse nas eleições de 2010 e 2014 para a Câmara dos Deputados, o maior beneficiado seria o PMDB, seguido do PT e PSDB, todos envolvidos nos recentes escândalos de corrupção.

Nas assembleias estaduais, a medida também seria extremamente generosa com o PMDB. O partido saltaria de 139 para 160 deputados estaduais eleitos em 2014.

No Estado do Rio de Janeiro, a bancada pularia de 15 para 24 deputados, um acréscimo de 60%. Não é surpresa que o modelo seja defendido por Michel Temer e Eduardo Cunha.

Além de reforçar as estruturas políticas que estão no poder, o distritão também privilegia as campanhas ricas. Nossas simulações mostram que os 45 deputados federais que seriam eleitos por essa medida, em 2014, tiveram uma média de gasto (R$ 1 milhão) 57% maior que os 45 que ficariam de fora (R$ 673 mil). Ou seja, no distritão quem gasta mais, leva mais.

E quem pagaria essa conta? Os cofres públicos? Sim. Uma vez que as doações empresariais foram corretamente proibidas, agora deve-se aumentar o financiamento público de campanha. O fundo de R$ 3,6 bilhões proposto para custear campanhas resulta em um gasto de US$ 5,3 de cada brasileiro.

Na Noruega, onde 70% das receitas partidárias são dos cofres públicos, esse valor é de US$ 17. Se considerarmos a diferença de renda per capita em ambos países, o brasileiro médio gastará duas vezes mais que o norueguês.

Ora, embora o financiamento público seja desejável, deve ser acompanhado por medidas que tornem as campanhas mais baratas, atenuando assim o impacto sobre os recursos da União.

Ao privilegiar o poder econômico e aumentar os incentivos sistêmicos para mais gastos, o distritão vai na direção oposta.

É possível fazer muito para melhorar o sistema político brasileiro. Acreditamos que, neste momento, precisamos de regras que permitam a renovação dos quadros políticos e a diminuição do poder econômico nas campanhas.

A lógica e os dados demonstram que o distritão não é o caminho.

PARTICIPAÇÃO

ALESSANDRA MONTEIRO, colaboradora do movimento Acredito, é administradora e consultora na área de políticas públicas

DANILO R. LIMOEIRO, colaborador do movimento Acredito, é mestre pela Universidade de Oxford, doutorando em ciência política pelo MIT e autor
de "Além das Transferências de Renda"

TABATA AMARAL DE PONTES, cofundadora do movimento Acredito, é formada em ciências políticas com curso secundário em astrofísica pela Universidade Harvard (EUA)

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamentos contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: