Folha de S. Paulo


Carlos Fernando dos Santos Lima, Júlio Noronha e Roberson Pozzobon

Doações empresariais deveriam ser retomadas na próxima eleição? NÃO

O DILEMA TOSTINES

O financiamento de empresas para campanhas eleitorais subverte a cidadania, distorce a representação política e serve de fachada para o pagamento de propina em troca de benesses do setor público.

No entanto, mesmo com todos esses malefícios, alguns deles comprovados pelas investigações da Lava Jato, volta-se a discutir essa espécie de financiamento da política eleitoral brasileira como alternativa à proposta indecente de, em tempos de crise econômica, destinar R$ 3,6 bilhões de recursos públicos para o mal denominado "Fundo de Financiamento da Democracia ", a ser distribuído aos diversos partidos.

Em suma, como a torneira das verbas públicas desviadas pela corrupção secou, especialmente após as descobertas da Lava Jato, alguns partidos políticos e seus caciques buscam, desesperadamente, alternativas indolores para se manterem no poder por meio de suas caríssimas campanhas políticas.

O financiamento da política por pessoas jurídicas permite que o poder econômico destas paute o sistema, em detrimento do cidadão. Eleições devem ser manifestações de cidadania; empresas e associações não são cidadãos, isto é, não possuem direitos políticos ativos, de votar, ou passivos, de ser votado.

Contudo, não pelo voto, mas pelo financiamento, por um longo período as empresas foram as grandes influenciadoras das eleições e dos mandatários.

Na campanha de 2010, por exemplo, as pessoas jurídicas foram responsáveis por cerca de 95% das doações eleitorais. Contribuições desse montante elevam o poder de pressão e convencimento das empresas financiadoras sobre o poder político, cujos interesses passam a sobrepor os anseios dos próprios eleitores.

Assim, qual é a equivalência entre os desejos de uma empresa que doa R$ 50 milhões e a vontade de uma pequena comunidade sem voz?

Além disso, mesmo que os políticos tenham sido eleitos com base em plataforma que atenda aos interesses de seus eleitores, quando no exercício do cargo esses eleitos passam a priorizar os objetivos de seus financiadores, pois sabem que precisarão deles na próxima eleição.

Essa dependência reproduz o "dilema Tostines": as pessoas jurídicas recebem benefícios e obras públicas porque fazem doações, ou fazem doações porque receberão benefícios e grandes contratos públicos?

Sem adentrar no mérito do que veio antes ou depois, a Operação Lava Jato constatou inúmeros casos em que as doações oficiais de empreiteiras foram o mote para obter um contrato ou grande financiamento público ou apenas forma sofisticada de lavagem de dinheiro oriundo de corrupção.

Fica claro que o problema a ser resolvido, primeiramente, é o do barateamento das campanhas políticas, e não o da forma de financiá-las.

O sistema de eleições proporcionais de lista aberta, como existe hoje, ou o distritão, proposto na reforma política em tramitação na Câmara dos Deputados, são extremamente caros, pois cada candidato precisa concorrer contra todos os outros, mesmo que de seu próprio partido, o que faz com que busquem, recursos financeiros para se destacarem.

Melhor andaria o Congresso se suas preocupações fossem reduzir os custos das campanhas, conferir mais transparência à origem dos recursos e expurgar de seus corredores os corruptos de plantão.

PARTICIPAÇÃO

CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA é procurador da República e membro da força-tarefa da Lava Jato no Paraná

JÚLIO CARLOS MOTTA NORONHA é procurador da República e membro da força-tarefa da Lava Jato no Paraná

ROBERSON HENRIQUE POZZOBON é procurador da República e membro da força-tarefa da Lava Jato no Paraná

PARTICIPAÇÃO

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