Folha de S. Paulo


FILIPE SABARÁ

Emprego para moradores de rua

O morador de rua Wlademir Delvechio, de 33 anos, é uma das cerca de 20 mil pessoas que dormem ao relento, em São Paulo.

Ele virou notícia na Folha ao transformar um canto embaixo do Minhocão numa sala decorada com esmero, mesmo que ali não seja um local adequado para se morar -é insalubre viver embaixo de um viaduto por onde passam milhares de automóveis e dez linhas de ônibus por dia.

As reportagens sobre Wlademir não afirmavam que a vida dele era boa, mas isso ficou subentendido, uma vez que ali era a "casa" dele. Há algo de errado numa sociedade que se encanta com o lar improvisado de um homem numa calçada.

Há algo de estranho, também, no pensamento de que manter o "fluxo" (agrupamento de usuários de crack) da antiga cracolândia é respeitar direitos humanos, é preservar a liberdade do cidadão de usar drogas e de viver como bem entender.

Mas tudo o que não há no "fluxo" e na calçada-dormitório é respeito. Vi pessoas dormindo em barracas no asfalto da rua Dino Bueno, defecando no espaço em que dormiam, subjugadas por traficantes.

O tráfico investe recursos para continuar lá, sustentando o sofrimento daquelas pessoas em nome do lucro. Também estão na região 167 agentes da Assistência Social, abordando diariamente os usuários. É um trabalho delicado, que requer formação de vínculo.

Por isso, às vezes, os agentes chegam a se desentender com policiais. Quase sempre o conflito se resolve rapidamente. Afinal, ambos os lados têm o mesmo objetivo: ajudar aquelas pessoas.

Com esse mesmo espírito, Wlademir foi abordado, ouvido, acolhido, fez cursos de capacitação profissional, aguardou demais por um tratamento dentário que não saiu, tempo que, infelizmente, a maioria da população ainda espera no serviço público.

É assim que funciona o cotidiano da assistência social, com idas e vindas, recaídas e retornos. Dificuldades que têm sido vencidas com sucesso pelo programa Trabalho Novo. Por isso, não desistimos de Wlademir.

Desde janeiro, 1.045 moradores de rua foram contratados pelo programa, com 91% de retenção. É a primeira iniciativa pública voltada para a empregabilidade da população vulnerável de São Paulo, que envolve profissionais de recursos humanos, empresários e agentes públicos. Até então, a prefeitura oferecia apenas acolhida e capacitação.

O Trabalho Novo deveria receber o apoio da sociedade, incluindo meios de comunicação, por quebrar paradigmas de seleção de pessoal, por arrumar emprego para pessoas desconsideradas pelo mercado, como idosos e transexuais. Por representar, sobretudo, um pensamento livre da polarização política que embrutece o nosso país.

Somos uma sociedade presa a uma rotina de escassez, consumo e desperdício. Descartamos objetos e pessoas, diferentemente do planeta em que vivemos, que reaproveita tudo. Como diz o economista belga Gunter Pauli, "não há desemprego na natureza".

O programa da Prefeitura de São Paulo resgata a importância do trabalho, tanto como função social dos empresários quanto como motivação pessoal para o empregado. É disso que precisamos no país.

Sobre o fim da cracolândia, penso como o arquiteto americano, ideólogo do empreendedorismo, Richard Buckminster Fuller: "A melhor maneira de mudar algo não é lutar contra ou resistir, mas criar formas que tornem a questão obsoleta".

Assim como é obsoleto pensar que o problema de Wlademir seja o crack ou a falta de moradia, pois são múltiplas as necessidades e fatores para que alguém como ele tenha uma vida que faça sentido numa cidade como São Paulo.

PARTICIPAÇÃO

FILIPE SABARÁ, empresário, é secretário de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo

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