Folha de S. Paulo


Oded Grajew

Neymar, a desmedida

Denis Balibouse/Reuters
O atacante Neymar, do PSG, participa de evento na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra, na Suíça
O atacante Neymar, do PSG, participa de evento na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Genebra, na Suíça

Se um marciano aparecesse em nosso planeta e quisesse saber qual é a métrica que mede nossas prioridades, esta, sem dúvida, seria o dinheiro. O padrão dos salários pagos mostra a importância relativa que a sociedade dá às diversas profissões.

Para além dos discursos políticos, a hora da verdade das prioridades dos governos é a execução orçamentária. O salário dos professores e médicos públicos mede a importância que os governos conferem à educação e saúde públicas.

Em cada cidade, a porcentagem do Orçamento investida nos bairros mais carentes demonstra a importância atribuída por agentes públicos ao combate à pobreza.

Os orçamentos do ministério e das secretarias do meio ambiente e da cultura dão a exata medida do destaque com que se trata essas áreas. Da mesma forma, o orçamento de cada indivíduo e família reflete a relevância de cada item para as pessoas.

Se queremos apoiar causas sociais, por exemplo, quanto doamos a organizações da sociedade civil que praticam tais ações?
Para saber qual é a prioridade de cada empresa em investir em projetos sociais, basta olhar a porcentagem do faturamento destinada a eles (raramente chega a 1% do total).

Há muitos anos, todos os governos têm como principal bandeira o crescimento econômico. Alegam que isso é fundamental para diminuir a pobreza e as mazelas sociais.

Nosso desafio não é mais gerar riquezas, mas distribuir melhor os recursos. Por exemplo: US$ 1,7 trilhão é o investimento mundial anual em armas e operações militares.

A ONU estima que 7% do Orçamento dos países desenvolvidos, aproximadamente US$ 500 bilhões, seriam suficientes para erradicar a pobreza extrema no mundo. Temos ainda 900 milhões de pessoas vivendo nessa categoria.

O último relatório da Oxfam, uma organização global que tem como missão o combate à pobreza e a redução das desigualdades, mostra que 1% da população mais rica do mundo detém maior patrimônio do que o resto do planeta.

E a renda dos 1 % mais rico aumentou nos últimos 15 anos 182 vezes mais que a dos 10% mais pobres.

São muitos os exemplos de tais disparidades. O time de futebol francês PSG acaba de contratar Neymar por cerca de R$ 824 milhões. Esse dinheiro daria para construir creches para 60 mil crianças.

O governo Michel Temer (PMDB) liberou R$ 4 bilhões em emendas parlamentares, o suficiente para construir creches para 300 mil crianças (somente em São Paulo faltam 100 mil vagas).

Será que a Prefeitura de São Paulo teria sucesso se pedisse aos que investiram em Neymar e ao governo federal esses mesmos recursos para as creches?

Na louca corrida sem limites pelo crescimento e enriquecimento, a humanidade comete o crime da desmedida, chamada de "hybris" pelos gregos. Tal prática é castigada pelos deuses, que fazem o indivíduo voltar aos limites transgredidos, exigindo grande sacrifício reparador.

Em nossa hybris ou desmedida, destruímos o meio ambiente e colocamos em risco a vida humana no planeta. Aprofundamos a desigualdade que está na raiz dos conflitos, nos arriscamos ao colapso da civilização.

Precisamos tomar consciência de que temos os recursos para oferecer uma vida digna a todos os humanos do planeta.

Necessitamos de mais solidariedade, rever as prioridades e os valores que balizam nossas decisões e ações, tomar consciência dos riscos que corremos e ter a sabedoria de lidar com os limites humanos.

PARTICIPAÇÃO

ODED GRAJEW é conselheiro da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil e presidente emérito do Instituto Ethos. É idealizador do Fórum Social Mundial.

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