Folha de S. Paulo


Raí Oliveira

Terceiro setor em tempos de crise

Zanone Fraissat/Folhapress
O ex-jogador Raí
O ex-jogador Raí

Neste momento de grave crise que afeta severamente a economia do país, é importante que se chame a atenção para o impacto que o trabalho das organizações do terceiro setor tem nas vidas dos brasileiros.

Muitas vezes, projetos sociais são o único acesso de moradores de comunidades carentes a serviços como educação, cultura, esporte, saúde e cidadania. Mesmo assim, o financiamento via empresas ou via doações individuais vem diminuindo drasticamente desde 2014, ano em que a crise ganhou proporções maiores.

Nem mesmo as instituições que carregam consigo nomes de pessoas conhecidas escapam. É muito comum ouvirmos que a associação a um nome famoso automaticamente gera receita para uma ONG.

Isso não é verdade. Temos conversado com diversas organizações e, sejam elas mais tradicionais ou menos conhecidas, a escassez de recursos é regra para todas.

Também não é verdade que ONGs já consolidadas, como é o caso da Fundação Gol de Letra, por exemplo, que fundei há 18 anos juntamente ao Leonardo, têm tido vida mais fácil. O terceiro setor nunca esteve tão desprovido.

Números divulgados recentemente pela Associação Brasileira dos Captadores de Recursos (ABCR), uma rede nacional dos profissionais de mobilização de recursos para o terceiro setor, estimam que cerca de 5 milhões de brasileiros são atendidos anualmente -e gratuitamente- pelas mais de 350 mil organizações sem fins lucrativos atuantes no Brasil.

Em 2015, o IBGE estimava que 2,2 milhões de trabalhadores formais estavam empregados no setor, que também responde por 1,5% do PIB.

Mesmo com essa atuação relevante, o desinteresse das empresas em um ambiente que sequer as onera preocupa muito.

Dados do próprio Ministério do Esporte, divulgados neste ano, dão conta de que, em média, somente 20% dos recursos aprovados mediante a Lei de Incentivo ao Esporte conseguem ser captados pelas ONGs e apenas 35% do teto de captação aprovado chega efetivamente às organizações. Recursos esses que, vale ressaltar, provêm de renúncia fiscal.

Assim, o terceiro setor tem que ser criativo para driblar essa situação. E tem sido.

Nós, por exemplo, durante o prazo de envio da declaração do Imposto de Renda, lançamos uma campanha para incentivar pessoas físicas a doarem parte de seus impostos devidos para projetos da fundação inscritos nos Fundos da Criança e do Adolescente.

Se as pessoas se dessem conta de que não precisam pôr a mão no bolso para ajudar as outras -isso sem contar a possibilidade de ser voluntário-, o número de atendimentos seria muito maior.

Em suma, o financiamento do terceiro setor no Brasil precisa amadurecer bastante. Criar o hábito da doação nos cidadãos brasileiros e nos empresários é um longo caminho e uma questão muito séria, principalmente em tempos de crise.

Não investir na área social por motivos de retenção dos gastos ou economia é um pensamento que pode parecer lógico, mas é equivocado. Quanto pior é a crise vivida por uma comunidade, maior deve ser o investimento social.

PARTICIPAÇÃO

RAÍ OLIVEIRA, ex-jogador de futebol, é presidente do conselho curador da Fundação Gol de Letra

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