Folha de S. Paulo


Marcos da Costa

Legislativo pode dar um gesto de grandeza

A deliberação da Câmara dos Deputados sobre o pedido de autorização para o prosseguimento da denúncia contra o presidente da República renovou o repúdio contra a promiscuidade na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Manobras nada republicanas têm servido para minar qualquer tentativa de melhorar o conceito de política em nossa sociedade. Parlamentares apelaram à prática do troca-troca de funções, deixando cargos no Executivo e assumindo seus lugares na Câmara.

Dos 12 ministros que se elegeram deputados na atual legislatura, dez retomaram as antigas cadeiras para participar da votação favorável ao presidente. Na manhã seguinte (3/8), já tinham voltado aos gabinetes nos respectivos ministérios, conforme nomeação publicada no Diário Oficial da União.

Não é a primeira vez que isso ocorre. Houve episódios do gênero em todos os governos desde a Constituição de 1988 -por exemplo, tentativas de barrar a instalação de CPIs.

A capacidade de cooptação do Executivo é gigantesca. Oferece acesso aos orçamentos públicos, além de um sem-número de cargos de livre nomeação para acomodar interesses e apadrinhados.

Eleitos por voto popular para legislar, os deputados que assumem cargos executivos traem os cidadãos que os escolheram como representantes. E, para piorar, arriscam-se nessa prática a promover imoralidade nos julgamentos em defesa de governos dos quais fazem parte.

Nos últimos pleitos municipais, a seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil já tinha elaborado um manifesto por disputas limpas, assinado por 1.833 candidatos do Estado, no qual expunha posição sobre o tema.

Defendia, como fundamental ao exercício da legislatura, o compromisso de os candidatos, caso eleitos, respeitarem os mandatos recebidos nas urnas, não abdicando do cargo para o qual concorriam a fim de assumir -por mais atraente que pudesse ser- posto de confiança junto ao Executivo.

Será um ato de grandeza do Legislativo, que atenda à imperiosa necessidade de recuperar a respeitabilidade da casa, dar fim ao relacionamento espúrio entre os Poderes.

Para tal, basta suprimir o inciso 1º, do artigo 56 da Constituição Federal, que hoje assegura a retomada do cargo por aqueles que deixam o Legislativo para assumir postos no Executivo.

Com a mudança, eles passariam, portanto, a perder seus mandatos. Assim, seria restaurado o equilíbrio entre os Poderes pretendido pelo filósofo Montesquieu quando desenhou os princípios do modelo de tripartição na busca por harmonia ao exercício da democracia.

Repensar práticas políticas não é tarefa restrita ao Brasil de hoje e sua instabilidade de cunho moral e ético. A crise está presente até mesmo em sólidas democracias, como a francesa.

Emmanuel Macron, presidente eleito com plataforma calcada na capacidade de gerir e na vocação para inovar, está propondo mudanças importantes nesse âmbito, como limitação de reeleições permitidas para deputados e senadores, redução do número de cadeiras das duas casas legislativas e reformulação do sistema eleitoral.

No Brasil, temos até o início de outubro para promover mudanças que permitam um ambiente mais republicano para as eleições de 2018, qualificando melhor o Congresso.

A decisão de impedir que seus próprios integrantes sejam seduzidos pelo Executivo seria um movimento importante para sinalizar a disposição efetiva de higienização das velhas atitudes, de valorização do Parlamento, elevando o sentimento de representação popular e melhorando a imagem da classe política.

Um passo acertado na direção de um eleitor desanimado com o atual quadro nacional.

Marcos da Costa, advogado com especialização em direito empresarial, é presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - Seção São Paulo

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