Folha de S. Paulo


editorial

O gênero dos preços

Ariel Martini/Divulgação
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Festa em casa noturna de São Paulo

No já remoto ano de 1986, quando a hiperinflação debilitava a economia brasileira, o então presidente José Sarney (PMDB) lançou um plano econômico que tinha como seu pilar o congelamento de preços.

No início, a medida inspirou entusiasmo popular. Cidadãos mais exaltados assumiam o papel de "fiscais do Sarney" e interditavam, "em nome do povo", estabelecimentos comerciais que remarcavam o valor das mercadorias.

Não demorou, contudo, para se tornar evidente que prestidigitações econômicas têm fôlego curto —produtos começaram a ficar escassos nas prateleiras e, por consequência, obtê-los demandava pagamentos abusivos.

O Plano Cruzado acabou por fracassar, e a inflação, ao final da aventura, estava ainda maior.

A despeito da experiência malfadada, autoridades mantém o cacoete de interferir nos preços praticados por agentes privados, mesmo quando não há razão para fazê-lo.

Nesse sentido, a tentativa do Ministério da Justiça de proibir que casas noturnas façam cobrança diferenciada de ingressos para homens e mulheres configura caso exemplar de intervenção indevida.

Felizmente, a Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar a uma associação de donos de bares e restaurantes, preservando o setor, por ora, dessa investida.

Não se trata de defesa irrestrita dos dogmas liberais. Os manuais de economia estão repletos de exemplos em que os mecanismos de mercado falham, e a regulação estatal se faz necessária.

São, contudo, situações relativamente incomuns, que envolvem, por exemplo, concorrência imperfeita ou assimetrias de informação.

Ora, nada disso se aplica a boates e festas. Os organizadores utilizam descontos por gênero para balancear a composição do público, tornando os eventos mais atraentes para frequentadores e mais rentáveis para empresários. A autonomia favorece todas as partes.

O argumento do Ministério da Justiça de que o preço diferenciado é uma maneira degradante de tratar as mulheres parece fruto de percepções subjetivas, não de dados colhidos na realidade, como conviria à justificativa para embasar uma política pública.

Ainda que a queixa procedesse, caberia a cada mulher, e não ao Estado, fazer tal juízo.

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