Folha de S. Paulo


RICARDO RIBEIRO

Estabilidade no serviço público deveria ser revista? NÃO

GARANTIA DE VIGILÂNCIA E CONTINUIDADE

Com raízes na América do Norte, o instituto da estabilidade no serviço público brasileiro esteve presente praticamente em todas as cartas constitucionais. Não ficou, contudo, inerte à evolução da administração pública.

A estabilidade de hoje, em nosso arcabouço legislativo, passou por um processo de aprimoramento e relativização, adequando-se aos novos tempos. Não se admite mais uma gestão da coisa pública sem transparência e comprometimento com a entrega de serviços efetivos.

Essa evolução está em sintonia com a atual sociedade cidadã. A pressão da opinião pública, a cobertura da imprensa e a atuação das próprias entidades de classe dos servidores têm criado um novo ambiente de forma gradativa.

O servidor é o primeiro interessado na mudança do atual estado das coisas. Deseja melhor estrutura, melhores condições e espera uma profissionalização maior na hierarquia.

Entretanto, a garantia de que o servidor não possa ser dispensado sem razão é um dos eixos da democracia.

Em uma sociedade liderada pelo Estado, um dos primeiros desafios é não permitir que este mesmo Estado seja sequestrado por grupos de interesse privado. A estabilidade do servidor é a premissa de vigilância e continuidade.

Um corpo funcional demissível por qualquer razão nunca promoverá políticas de Estado, mas sim políticas de governo, que podem mudar a cada gestão, de acordo com interesses partidários. A permanência do funcionário é a garantia de que o capital de conhecimento permanecerá na estrutura pública, evoluindo de gestão para gestão.

No setor privado é comum ouvirmos que o mais importante é o capital humano. Por que seria diferente no setor público?

Hoje já sentimos de maneira mais clara os efeitos de um Estado em que as estruturas foram politizadas. Ao invés de a meritocracia guiar os processos de seleção, muitas vezes os postos de comando são distribuídos de modo a atender interesses de grupos partidários e privados.

Quanto mais cargos passíveis de rotatividade e demissão sem justificativa, mais o espírito público daquela repartição torna-se distorcido e duvidoso.

Seria de fato condição para maior eficiência permitir mais janelas de oportunidade para o adensamento da influência direta dos interesses escusos dentro da estrutura pública? Permitir demissões de quem incomoda, de quem fiscaliza, de quem controla, de quem audita e de quem policia?

O servidor público é um dos principais interessados em políticas de meritocracia e modelos gerenciais melhores. Somente concursados sob a ética de servir ao país poderão alcançar mais cargos de comando e dar sentido às carreiras de Estado.

Hoje já se permite punição e expulsão por má conduta. Inoperâncias podem ser combatidas com processos disciplinares. Com a legislação e as condições atuais, podemos conquistar bons resultados caso tenhamos reciclagem das lideranças políticas, aumento da transparência e monitoramento.

Querer que o Estado funcione às custas de vontades e caprichos de cada governante, mudando o quadro de pessoal e demitindo a seu bel prazer, significa abrir mão de uma estrutura estável e profissionalizada, comprometida com o bem comum.

Sim, de fato precisamos melhorar a estrutura pública e suas competências e capacidades. Não será, entretanto, pregando o fim da estabilidade que isso será alcançado.

RICARDO RIBEIRO, auditor fiscal de tributos municipais de Curitiba, é diretor da Pública - Central do Servidor

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