Folha de S. Paulo


Vijay Rangarajan

Redescobrir o otimismo

Cheguei ao Brasil como embaixador britânico há pouco mais de um mês e, desde então, viajei de norte a sul –Recife, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e, claro, Brasília. Tive o prazer de falar com muitos brasileiros, desde as comunidades mais simples até ocupantes de cargos de alto escalão no governo.

Minhas primeiras impressões são as melhores possíveis, mas também tenho colecionado algumas indagações. Uma delas, em especial, traz muita reflexão: os brasileiros estão certos em serem pessimistas sobre o futuro?

Após diversos encontros, constatei que os brasileiros adoram conversar sobre o seu povo, sua comunidade e seu país. Mas muitas vezes fiquei impressionado com a expectativa de que as coisas vão piorar.

Antes que você pense que sou apenas mais um estrangeiro inocente, preciso esclarecer: é claro que sei sobre a atual recessão, o arrocho fiscal, a corrupção. Passei seis meses absorvendo o máximo possível sobre o Brasil.

Você também pode me acusar, com razão, de ter me apaixonado pelo país e deixado o sentimento interferir em minha percepção.

No entanto, como cientista e matemático, recorro sempre aos números –e estes refletem um retrato interessante do passado, além de apresentarem uma base para otimismo no futuro.

Mesmo diante das atuais adversidades, acredita-se que a economia brasileira irá superar a do Reino Unido em 2040, tornando-se a quinta maior do mundo uma década depois.

O Brasil já é líder em energia de baixo carbono, tendo exercido papel essencial no sucesso da COP21 –45% de sua energia e 84% de sua eletricidade são renováveis.

O Brasil também é um dos campeões mundiais no combate à desigualdade: mais de 29 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema de 2001 a 2013, resultando em um aumento de 15,6% na classe média neste período.

Isso não quer dizer que tudo seja perfeito. É claro que ainda há muito a fazer. As reformas que estão em andamento, como a recém-aprovada sobre a legislação trabalhista, são realmente importantes.

Empresas do Reino Unido, por exemplo, continuam interessadas em relacionar-se com o Brasil e investir mais por aqui. Por vezes, porém, acabam desestimuladas pela regulação excessiva.

O ministro das Finanças do Reino Unido, Philip Hammond, visitará o Brasil em breve, justamente para discutir esses desafios e identificar áreas em que nossos países possam aprofundar sua colaboração, como o financiamento de infraestrutura sustentável e mudanças climáticas.

Em um mundo tão competitivo, todos os países devem aprimorar seu ambiente de negócios, e nossa parceria, que já é muito rica, traz ainda mais benefícios mútuos a cada nova iniciativa.

Dessa forma, em termos de números, tenho uma visão clara de um país agraciado com recursos naturais, com muitas vantagens em áreas como educação e ciência e enorme influência internacional.

O mais valioso, entretanto, é seu povo. Tenho a impressão de que todos, sem exceção, realmente se preocupam com o futuro do Brasil. É claro que não concordam em tudo.

Nós, no Reino Unido, também temos opiniões divergentes: basta observar os debates políticos que tivemos nos últimos dois anos. De toda forma, decisões são tomadas. Em democracias complexas como as nossas, o caminho nunca é simples. Mas isso também acaba por nos fortalecer, não é mesmo?

Então, volto ao começo. Os desafios são múltiplos: mudanças climáticas, desigualdade, reformas políticas e de governança, fortalecimento dos sistemas multilaterais.

Ainda assim, com tantos pontos fortes e um histórico de muitas mudanças bem-sucedidas, certamente o otimismo deve ser o nosso ponto de partida.

VIJAY RANGARAJAN, mestre em matemática e doutor em astrofísica pela Universidade Cambridge, é embaixador do Reino Unido no Brasil

PARTICIPAÇÃO

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