Folha de S. Paulo


JÉZIO HERNANI BOMFIM GUTIERRE

Falar de livros em um país que desmorona

Neste ano a Editora Unesp completa seu 30º aniversário. Toda a comunidade da Universidade Estadual Paulista deve se orgulhar da trajetória bem-sucedida desta que é uma das mais representativas editoras universitárias brasileiras. No entanto, mais do que uma data a se comemorar, esse é ensejo para uma reflexão sobre alguns dos elementos que obrigatoriamente acompanharão o futuro da editora, do livro e, de maneira mais ampla, do mundo acadêmico e cultural.

Questões cruciais no dia a dia editorial afetam também a vida da maioria das pessoas. Além do aparente conflito entre o e-book e o livro de papel, podemos ainda nos perguntar sobre a relevância dos conteúdos digitais para a educação.

E o hábito e a prática da leitura e escrita? Na fase de comunicação digital, serão fortalecidos ou definitivamente marginalizados? Caso sobrevivam, que modelos de comunicação escrita serão dominantes entre um público obcecado por WhatsApp e Instagram? Teremos livrarias físicas no futuro? Com a crescente independência dos autores e a chegada definitiva da autopublicação, não seria de se prever o desaparecimento até mesmo do que hoje se entende por editoras, incluídas aí as universitárias?

Perguntas como essas são particularmente interessantes e preocupantes porque especialistas tendem a discordar dramaticamente entre si, e as consequências que preveem são não apenas graves, mas urgentes, afetando nosso futuro imediato.

É para um quadro como esse que devemos olhar e, mesmo sem respostas definidas, considerar as possíveis consequências. O livro e sua cadeia produtiva e de distribuição estão em xeque, e isso ocorre na pior circunstância possível: de um lado, profissionais acadêmicos se ocupam das feridas de uma universidade em crise persistente; de outro, o público ilustrado em geral parece não ter olhos senão para o neurotizante meio ambiente político que não lhe dá trégua. É tão lastimável quanto compreensível que o universo livreiro e suas turbulências prementes não recebam tanta atenção.

Mas nada justifica a paralisia em terreno que definirá muito do que será o futuro, inclusive educacional e, por extensão, econômico, que atualmente tanto nos apavora. Quando um mundo novo se aproxima –e um mundo novo nunca foi tão anunciado– não podemos fugir à responsabilidade de nos preparar para as mudanças.

Não podemos deixar de aperfeiçoar legislação de fomento à leitura e de proteção ao livro nacional, fortalecer os órgãos, empresas e iniciativas responsáveis pela disseminação do livro, de conscientizar a universidade da importância de suas editoras acadêmicas e preservá-las como atividades fim, de estimular a profissionalização do setor e as pesquisas sobre o futuro do livro, de robustecer as associações de classe de editores e livreiros e de acompanhar as experiências estrangeiras.

O mundo cultural, técnico e científico sempre se alicerçou e difundiu por meio de livros. É isso que dá estofo à tão repetida frase de Monteiro Lobato: "um país se faz com homens e livros". Em um momento em que o Brasil parece desmoronar e não temos razões para confiar em nossas elites, cuidemos dos livros. É uma boa maneira de mantermos a esperança na construção de um amanhã um pouco mais promissor.

JÉZIO HERNANI BOMFIM GUTIERRE é professor de filosofia da ciência da Unesp e diretor-presidente da Fundação Editora da Unesp.

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