Folha de S. Paulo


Filippe Soares Lizardo e Luiz Carlos S. Gonçalves

Contas aprovadas não absolvem

Quase como um mantra, pessoas que teriam praticado caixa dois eleitoral, às vezes ao lado de outros crimes, dizem que suas contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.

O exame das contas eleitorais, porém, se dá a partir de informações prestadas pelo próprio candidato, sendo dele a responsabilidade pela veracidade do que apresenta.

A análise da Justiça Eleitoral é escritural, com baixa efetividade para a confrontação dos dados com a realidade da campanha.

Ela consegue apenas, por meio de pesquisa junto a fornecedores, do acesso a informações da Receita Federal e de notas fiscais eletrônicas, constatar algumas omissões ou sobre-preço de produtos e serviços.

Como o caixa dois ocorre pela ausência da escrituração de valores, o exame é, em regra, incapaz de identificá-lo; tampouco consegue dizer se os dinheiros declarados, o caixa um, são de má procedência.

O julgamento das contas não impõe penas, nem multas, nem inelegibilidade, mesmo em caso de desaprovação. Sua utilidade é, somente, tentar dar transparência às finanças de campanha e obrigar a devolução de valores de fontes desconhecidas ou proibidas.

Ele facilita a promoção de ações eleitorais autônomas (por abuso do poder econômico ou descumprimento das normas de arrecadação e gastos) que podem ser propostas inclusive em caso de aprovação.

Portanto, o veredito não serve para afastar responsabilidades em relação a valores recebidos ou gastos. A alegação de que "as contas foram aprovadas" é, nos precisos termos da lei, inócua.

O procedimento de análise é trabalhoso e complexo, mobilizando enormes recursos da Justiça Eleitoral, que pode até requisitar técnicos dos tribunais de contas. Foram quase 500 mil candidatos nas eleições municipais, por exemplo.

O prazo para efetuar o julgamento da contabilidade dos eleitos é de pouco mais de 45 dias, o que não ajuda na profundidade e qualidade do resultado. Fazer mais exigiria um exército de técnicos especializados, atuando durante todo o período eleitoral, em supervisão constante de recebimentos e gastos.

Isso diminuiria, sem fundamento constitucional, o espaço de liberdade nas campanhas. Ainda assim, dinheiro recebido e utilizado em espécie poderia passar incólume.

Melhor do que uma supermáquina de fiscalização é prover a redução dos gastos eleitorais autorizados (material de propaganda e contratação de funcionários, por exemplo), passando pela mudança do sistema de listas abertas para as listas preordenadas ou para o voto distrital, o que permitiria até o financiamento público.

Para cargos majoritários, além do corte das despesas permitidas, conviria oferecer recursos públicos, padronizados, para deslocamentos, elaboração de propaganda em rádio e TV e realização de comícios.

O acompanhamento da Justiça Eleitoral e do Ministério Público Eleitoral poderia, com essas providências, almejar maior efetividade. A criminalização do caixa dois, hoje insuficientemente prevista no artigo 350 do Código Eleitoral, viria como boa ajuda.

Só não dá para pretender imunidade pela aprovação, contábil, das contas de campanha.

FILIPPE SOARES LIZARDO é ex-chefe da seção de contas Eleitorais do TRE-SP

LUIZ CARLOS S. GONÇALVES é procurador regional eleitoral de São Paulo

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