Folha de S. Paulo


Arnaldo Niskier

Ensino superior pago?

Lembro-me bem, na década de 1950, de quando defendia ardentemente a gratuidade da universidade pública. Era dirigente estudantil na então Universidade do Distrito Federal e não se admitia pensamento divergente.
Quando a UDF foi transformada em Universidade do Estado da Guanabara e depois em Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o que causava espécie aos seus professores era o número de automóveis que lotavam o estacionamento do campus do Maracanã.

A garotada não podia pagar mensalidades, mas tinha condições de adquirir veículos, nem sempre muito baratos.

Hoje, a Uerj vive em estado pré-falimentar. O seu restaurante está fechado e o Hospital Pedro Ernesto é uma lástima, pois falta tudo. Agora, volta à tona a discussão: os alunos mais ricos deveriam pagar pela universidade pública?

O raciocínio é simples: se for comprovado que eles têm condições, o que se faz pelo exame do imposto de renda, ficariam obrigados ao pagamento de uma taxa que ajudaria a instituição a sair do seu triste sufoco.
A ideia não é nova. Lembro-me de visita feita pelo então ministro da Educação Jarbas Passarinho ao bonito prédio da Manchete, na praia do Russel.

Recebido pelo empresário Adolpho Bloch, este lhe fez a pergunta que não queria calar: "Ministro, não entendo o ensino superior gratuito. O Brasil tem tanto dinheiro assim?". Passarinho, meio sem jeito, explicou que tinha falado com outras autoridades sobre o assunto, mas não encontrara eco. "Todo mundo tem medo de mexer nesse vespeiro..."

Ao lado da hipotética cobrança nas instituições públicas (algo em torno de R$ 2.000 mensais, por exemplo), seria possível oferecer empréstimos com amortizações contingentes à renda (ECR), o que já tem sido estudado em nosso país.

Trata-se de uma modalidade de financiamento que dilui as amortizações ao longo da vida da pessoa, com prestações definidas de acordo com a sua renda futura e cobrada pelos sistemas de tributação ou de recolhimento de contribuição previdenciária.

Significa que não haveria cobrança durante o período de estudos. Não é uma ideia original, pois tem sido utilizada em outros países e seria uma oportunidade para a reforma do Fies, que é o programa de financiamento do ensino superior do governo.

Caso aproveitássemos de modo inteligente a reforma da Previdência para valorizar os ECR, isso abriria caminho para que sobrassem mais recursos financeiros para a aplicação na educação básica, como apoio federal aos Estados e municípios que hoje se encontram em geral praticamente falidos.

Talvez essa fórmula seja mais inteligente do que o simples aumento de impostos. De toda forma, o mercado dificilmente suportaria um aumento dessa natureza, mesmo que as "vítimas" fossem única e exclusivamente os chamados mais abonados financeiramente.

ARNALDO NISKIER é membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e presidente do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) no Rio de Janeiro

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