Folha de S. Paulo


RICARDO SAYEG E HENRIQUE NELSON CALANDRA

Foi correta a decisão de conceder imunidade penal aos donos da empresa JBS? NÃO

ACORDO INACEITÁVEL

Por mais grave que seja o quadro vivido, não estamos de acordo com os excessivos benefícios concedidos nesta última delação ocorrida.

De acordo com as próprias palavras da egrégia Procuradoria-Geral da República publicadas neste jornal, "o país cansou do engodo, da hipocrisia, dos voos de galinha da economia sustentada no favorecimento, de seguir para logo retroceder. A hora é de mudança".

De fato, tem sido determinante o papel do Judiciário e do Ministério Público no combate à onda sistêmica de corrupção que inunda nosso país. Somos testemunhas da atuação implacável dos patrióticos promotores de Justiça e procuradores da República por todo o país.

São épicos os embates judiciais altamente técnicos entre o Ministério Público e a advocacia brasileira, encalorados e imperdíveis. O primeiro na luta contra o crime e a impunidade; a segunda na defesa da liberdade e da propriedade privada.

Como professores, vivemos repetindo para nossos alunos o orgulho que temos de ser profissionais do direito neste momento da história jurídica nacional.

Enfim, o serviço público prestado pelos promotores e procuradores é inestimável, daí a merecida credibilidade alcançada pelo Ministério Público perante à população.

O problema surgido é que a Procuradoria-Geral da República, ao fazer o polêmico acordo de colaboração ultrapremiada com os donos do grupo empresarial JBS, contradiz toda a tradição de austeridade e rigor do Ministério Público contra a impunidade.

Concede, sem precedentes na história nacional, benefícios inimagináveis àqueles que, como ela mesma afirma na aludida publicação, "relataram o pagamento de propina a quase 2.000 autoridades do país".

A Procuradoria-Geral ofereceu anistia total de crimes graves e aplicou uma multa irrisória para o nível econômico dos empresários. Permitiu, ainda, uma moradia livre, aprazível e abastada em Nova York.

Tudo na vida tem limite. Não convence a lógica da Procuradoria-Geral de que é necessário ser um megavilão para obter perdão judicial, desfrutando uma aposentadoria afortunada com o produto econômico do crime. A lei, afinal, proíbe o benefício da colaboração aos líderes da organização criminosa.

Há, ainda, outra pergunta irrespondível. Por que, diante da negativa do grupo econômico em pagar a multa de R$ 11 bilhões, a Procuradoria-Geral não determinou o imediato ajuizamento de ação civil pública por improbidade administrativa, com pedido cautelar de sequestro das empresas, afastamento dos dirigentes e nomeação de um administrador judicial?

Se houver dificuldade, basta convocar um dos implacáveis promotores de Justiça paulista, pois eles ajuízam diariamente essas medidas contra outros réus com imputação de delitos infinitamente menores.
Não podemos ensinar a nossos filhos e alunos que no Brasil o crime compensa. Eis a nossa inquietação.

Outro agravante é que, ao invés de aceitar com respeito as justas críticas que vem recebendo, a Procuradoria-Geral perdeu a serenidade, passando a tratar qualquer contestação como sendo fruto de hipocrisia e ignorância. Lamentável.

Concluindo, a conduta não representou a tradição de luta contra o crime e a impunidade do criterioso e imprescindível Ministério Público Nacional. É impossível aceitar!

RICARDO SAYEG, advogado, é presidente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo

HENRIQUE NELSON CALANDRA, advogado, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


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