Folha de S. Paulo


Congresso deve aprovar emenda que libera eleição direta para presidente neste ano? SIM

MUDANÇAS DEVEM SER CONSTITUCIONAIS

Em uma democracia, a eleição deve ser direta, secreta, universal e periódica. Essas são das poucas regras em nossa Constituição que não poderiam ser alteradas, nem mesmo por emenda constitucional.

A própria Constituição, no entanto, abre brechas na norma das eleições diretas. Diante da crise política instaurada nesta semana, o tema ganhou proeminência nacional.

No caso de os cargos de presidente da República e de seu vice serem declarados vagos -por renúncia ou impeachment, por exemplo-, um novo pleito será realizado.

A definição sobre a forma da eleição, direta ou indireta, dependerá do tempo que resta até o fim do mandato. Caso falte mais de dois anos para o término, será direta, cabendo à população a escolha do eleito; caso falte menos de dois anos, será indireta, com os votos apenas de deputados e senadores.

Mas deveríamos, em tempos de internet, redes sociais, urna eletrônica e apuração quase instantânea- suportar os riscos de uma eleição indireta sem qualquer regramento previsto, mesmo que tenha ocorrido a vacância e ainda haja quase dois anos de mandato?

Nossa Constituição foi elaborada há quase 30 anos; deve ceder espaço para atualizações em alguns pontos.

Cumprir a Carta Magna é estar disposto a reforçar seus princípios fundamentais, dando cada vez mais força para a democracia e o seu verdadeiro titular: a população.

Seguindo o procedimento previsto, uma emenda constitucional com o objetivo de ampliar o direito de voto parece ser uma forma exemplar de cumprir nossa lei maior.

Afinal, neste caso, mudar a Constituição é também, em certa medida, cumpri-la. Mas poderia haver a mudança mesmo com um mandato em curso?

Não creio que isso impeça a aplicação imediata. Uma nova regra sobre vacância incidiria sobre o cargo vago e não sobre o preenchido. A regra não se refere ao mandato, mas sim ao vazio deixado -e, se esse vazio ainda não existe, ele pode ser alterado.

Outra discussão comum a respeito do tema é se o artigo 16 da Constituição também se aplica aos casos de vacância. Este dispositivo exige que a alteração do processo eleitoral seja feita pelo menos um ano antes da eleição.

No entendimento do STF, porém, o artigo 16 não diz respeito à vacância, uma vez que não se trata de processo eleitoral (vide ADI nº 4.298).

Embora a Constituição fale em eleição indireta há quase 30 anos, é importante destacar que nosso Congresso ainda não elaborou suas regras. Seria, portanto, obrigado a definir, num momento de alta instabilidade política, uma série de normas para seu funcionamento. Tudo isso, é claro, poderia depois ser questionado, ponto a ponto, no STF. Será que valeria a pena mergulharmos em toda essa incerteza?

Caso o presidente Michel Temer deixe o cargo, uma nova eleição deveria ocorrer. Creio que a alteração da Constituição permitiria que fosse direta. E creio também que afastar a população das urnas neste momento tenderá a afastá-la ainda mais da política. Reverter uma crise não exige justamente o contrário?

Há muitas diferenças entre o querer e o poder, mas talvez inovar na Constituição, permitindo uma eleição direta neste caso, seja melhor do que inovar em toda a normatização, criando diversas regras para eleições indiretas.

DIOGO RAIS, pesquisador do grupo de estudo em inovação da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, é professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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