Folha de S. Paulo


editorial

Enxugar o crack

Os talentos de gestor do prefeito João Doria (PSDB) serão em breve postos à prova na cracolândia paulistana. A chaga psicossocial no coração da metrópolesaiu de novo do controle do poder público —se é que algum dia deixou de ficar sob domínio de traficantes— e está a exigir reação urgente da prefeitura.

Não só dela, por certo. Buscar soluções para os problemas de saúde (dependência química) e social (degradação urbana e de pessoas) é responsabilidade do município, mas é ao governo do Estado que compete empreender o combate ao tráfico da droga.

Já se disse à exaustão que enfrentar o drama da cracolândia equivale a enxugar gelo. Reprimem-se os usuários andrajosos, e eles se espalham pelo centro da cidade, voltando algum tempo depois. Prende-se um traficante, aparece outro.

Passou da hora, portanto, de o poder público abandonar esse biombo de complacência.

Até a eleição de Doria ainda era possível atribuir os percalços ao descompasso entre programas da administração municipal petista, com ênfase no controle de danos, e do governo estadual tucano, centrado na internação para tratamento.

Agora, o prefeito e o governador Geraldo Alckmin são do mesmo partido. Não há mais desculpas para picuinhas ideológicas, em que pese a incipiente rivalidade eleitoral entre criador e criatura. Antes de voltar os olhos para Brasília, ambos deveriam atentar para o que se passa na sua capital.

Permanecendo a inércia, a deterioração só faz agravar-se. O descalabro subiu de patamar, em tempos recentes, com a hegemonia estabelecida na região por traficantes da facção criminosa que prospera nas prisões paulistas.

Pedras de crack são expostas e vendidas abertamente na abjeta "feirinha". Caixas repletas de maços de dinheiro ficam à vista de todos, inclusive policiais militares e guardas civis metropolitanos.

Não faltam imagens de vídeo com facínoras brandindo armas. Dá-se como certo que causaram a morte de um agente social, suspeito de pertencer a uma facção adversária apenas por seu sotaque.

Seria inócuo partir para novas e mais brutais ações de repressão, como no passado, que antes produzem violência e intranquilidade que resultados. Falta, sempre faltou, trabalho de inteligência policial para cortar o tráfico pela raiz e extirpar os eventuais casos de suborno de agentes públicos para que tolerem a prática de delitos.

Só assim, enxugando o crack, haverá condições para a prefeitura iniciar a inadiável intervenção social e sanitária na cracolândia.

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