Folha de S. Paulo


Fausto de Sanctis

Transformar a transformação

Existe a sensação de que a corrupção vem sendo combatida no Brasil, porém a luta está longe de seu fim. Ainda assim, tudo leva a crer que vivenciamos uma nova conformação social.

A atual desconfiança em relação às autoridades decorre em parte da falta de explicações razoáveis para as decisões tomadas por elas. Não raro o cidadão se vê diante de medidas carregadas de cinismo, egocentrismo e tentativas de autoproteção.

A insatisfação popular diante de tal situação tem se manifestado na forma de repúdio, segregação e desqualificação das ações públicas.

De um lado, os governantes e seus protegidos; de outro, os governados e desprotegidos. O desejo do cidadão, nesse cenário, é que os poderosos desçam de seu pedestal. Democracia define-se pelo que se constrói, não somente por suas formas ou pela vida de suas estruturas.

Não se vê, de fato, um verdadeiro plano de transformação progressiva da sociedade, ou seja, uma decisão firme que passe a mensagem de que desejamos melhorar o combate contra a corrupção. Não há área estratégica de atuação que busque esse objetivo.

Não se fala, por exemplo, em alcançar níveis melhores de sucesso de investigações e processos sobre a corrupção, para que não se alonguem por mais de um ou dois anos; em melhoria da taxa de julgamento; em programas que contemplem nos ensinos fundamental e médio disciplina sobre esse tema, assim como o treinamento de nossos professores; em regulamentar a atividade de lobby, cujo titular encontra-se entre o homem de negócios/cliente e os políticos, atuando para obter contratos públicos.

Também não ganham o merecido destaque a necessidade de reformar o financiamento político, de modo a minimizar oportunidades de malversação, e a implementação obrigatória de compliance nas empresas que contratarem com o Estado.

É certo que uma empresa condenada por corrupção possa continuar a fazer negócios com o governo?

Por que não estabelecer a morte civil do funcionário público e do político condenados, para que eles nunca mais voltem a trabalhar para o Estado?

Por que não recompensar todos os que denunciam a corrupção, e não apenas o delator/réu?

Por que empresas condenadas continuam a remeter valores do país sem cumprirem suas obrigações?

Deve-se esperar daqueles que pensam o direito uma honestidade intelectual, uma sintonia com o momento crítico pelo qual passamos.

Dessa maneira, o cidadão consciente poderá, juntamente com a imprensa, cumprir o papel fiscalizador que lhe corresponde, sobretudo quando inoperantes os canais formais de controle.

Que exista uma verdadeira política pública contra a corrupção, de maneira a assegurar a transparência e a integridade, com vistas a dar um rumo certo ao país.

Que se instrumente a sociedade, já transformada e aperfeiçoada, e que se discuta -além da economia, educação e Previdência- uma real luta contra a corrupção.

Já bastam a letargia e o alheamento dos políticos.

FAUSTO DE SANCTIS é desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e coordenador acadêmico da plataforma on-line Compliancet

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