Folha de S. Paulo


ELENA LANDAU

Idade mínima para aposentadoria das mulheres deve ser menor? NÃO

PREVIDÊNCIA NÃO É POLÍTICA COMPENSATÓRIA

Não sou especialista em mercado de trabalho e raramente discuto questões de gênero. No entanto, entro agora na polêmica porque não enxergo a Previdência como instrumento de política compensatória de desigualdades. Fosse assim, não haveria sistema previdenciário possível num país como o nosso.

Há quem seja a favor da equiparação por uma questão de coerência. Se mulheres exigem o fim da discriminação no mercado de trabalho, deveriam também defender a igualdade das regras de aposentadoria. Mesmos direitos, mesmos deveres.

Há, contudo, argumentos bem melhores que esse. O principal deles é que a aposentadoria não deve ser vista como mecanismo de ajuste para os desequilíbrios ainda existentes entre profissões, localizações geográficas, cor ou gênero.

Combatê-los requer políticas sociais específicas, principalmente as que são capazes de reduzir barreiras de acesso a oportunidades.

Tive a sorte de crescer numa família em que filhos e filha tiveram as mesmas chances, em especial o acesso à educação, fundamental para a redução de desigualdades, sejam de gênero ou qualquer outra.
Tentar corrigir esses hiatos via aposentadoria só agravará as contas públicas, impedindo uma atuação nas suas causas estruturais. O ciclo vicioso, assim, se perpetuará.

Argumentos em favor da não equiparação da idade mínima em geral se baseiam na jornada dupla -ou tripla- das mulheres, na menor remuneração que recebem pelo mesmo tipo de ocupação e no acesso tardio ao mercado de trabalho por conta da educação dos filhos.

São injustiças que precisam ser mudadas, mas o instrumento para isso não é a aposentadoria precoce.

Estatísticas disponibilizadas pela secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda mostram um quadro mais positivo e permitem avaliar melhor cada um desses argumentos. A idade média de entrada no mercado de trabalho, hoje, é de 23 anos para ambos os sexos.

A taxa de fecundidade caiu para 1,7 filhos, contra 4 nos anos 80. Em 2005, 72% dos homens se consideravam chefe de família; em 2015, esse percentual caiu para 59%.

O rendimento das mulheres ainda é 86% do que recebem os homens, mas isso também vem mudando. Era 78% em 2005.

Entre 16 e 24 anos, faixa de entrada majoritária no mercado de trabalho, o rendimento da mulher é praticamente igual ao do homem. Adicionalmente, os salários das mulheres aproximam-se aos dos homens em cada faixa etária ao longo do tempo.

Outro argumento importante a favor da equiparação é a expectativa de vida da mulher em relação ao homem. Quando se analisa a Previdência, é necessário olhar mais especificamente para a "expectativa de sobrevida", que também é maior paras as mulheres, seja qual for a idade mínima (60, 62 ou 65 anos).

A Previdência deve ter uma regra universal para todos os brasileiros e buscar um sistema equilibrado atuarialmente. O que temos hoje é inviável, por isso a necessidade tão urgente de rever as aposentadorias especiais e avançar na harmonização dos regimes.

Mudou a expectativa de vida e mudou também a sociedade. Privilégios não são mais aceitos. O mesmo ocorre na Previdência, mas certamente não se limitando à eliminação das diferenças entre gêneros.

De todo modo, o relatório da reforma aprovado nesta semana ainda prevê idades mínimas distintas para homens e mulheres, com um período de transição por mais 20 anos. Oxalá em 2036 este não seja mais um debate relevante.

ELENA LANDAU, economista e advogada, é sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes. Foi diretora do BNDES de 1994 a 1996 (governo Fernando Henrique Cardoso). Integra o conselho
da Eletrobras

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