Folha de S. Paulo


PAULO TAFNER

Entre o necessário e o possível

O atual governo apresentou ao Congresso, no final do ano passado, uma proposta de emenda constitucional que reforma nosso sistema previdenciário. Foi um gesto correto e corajoso que visa corrigir diversas distorções, há muito existentes no Brasil.

Não se trata de algo surpreendente. Em seu período final à frente da Presidência, Dilma Rousseff diversas vezes comunicou à nação que uma reforma era necessária.

Gastamos demais com a Previdência e somos ainda um país com população relativamente jovem. Mas vamos envelhecer -e rapidamente.

Em números redondos, gastamos 12% do PIB com Previdência. Em poucos anos, se nada for feito, chegaremos a mais de 20% do PIB, situação que simplesmente tornará o país inviável. Como financiar essa conta? Aumentando impostos, ampliando o endividamento público ou permitindo a escalada de preços?

Sem reforma, não há outras soluções além dessas. E o resultado será maior o desaquecimento econômico. Não se trata de números frios acerca do PIB e de outros agregados econômicos. Muito além deles, estamos falando de milhões de pessoas que deixarão de ter acesso ao emprego, à saúde, à educação, à segurança. Em síntese, reformar nosso sistema previdenciário é crucial.

Como tantos outros países, também o Brasil tem enorme resistência a reformas. Por isso temos feito tantas nos últimos 20 anos. Nenhuma delas abrangente e dura o suficiente para conter a escalada de gastos de forma sustentável.

A proposta apresentada pelo atual governo tem pelo menos duas grandes virtudes: é abrangente e reduz a enorme desigualdade previdenciária entre nós brasileiros.

A proposta era perfeita? Não. Poderia e deveria ser aprimorada pelas casas legislativas? Claro que sim. E, em certa medida, isso foi feito.

Apenas um exemplo: a regra de transição proposta apresentava um desagradável e indesejável problema de descontinuidade -pessoas que nasceram com apenas um dia de diferença poderiam ter penalizações muito diferentes, o que provoca enorme sensação de injustiça.

A mudança competentemente feita pelo relator corrige essa distorção. Mas se nesse ponto houve melhora da proposta original, em outros houve perda de qualidade.

Pergunto a você leitor: quem pode ser contra a proposta de que parlamentares, policiais, juízes, professores, funcionários públicos, profissionais liberais e operários estejam submetidos à mesma regra de aposentadoria?

No processo de negociação parlamentar, como se viu, muitos ainda acham que a igualdade deve ser aplicada aos outros. Grupos conseguiram manter regras muito favorecidas de aposentadoria. Isso é um retrocesso que trará custos elevados.

Estimativas ainda preliminares indicam que as mudanças decorrentes do processo de negociação acarretarão uma perda de 23% do que se pretendia economizar nos próximos dez anos. Nos próximos 20 anos, a perda chegaria a 32%.

Tal cenário exigirá maior corte de despesa em outras áreas, uma tarefa bastante complicada, dado que os orçamentos já são apertados e engessados. Gestores públicos precisarão manejar os instrumentos de política econômica de modo a sinalizar que os gastos estão sob controle.

Para um governo com frágil sustentação popular, enfrentando a pior crise econômica da história do país, com mais de 12 milhões de desempregados, conseguir aprovar o texto apresentado pelo relator será grande vitória. Não apenas para o Executivo, mas sobretudo para o país.

PAULO TAFNER é economista, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade Candido Mendes

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