Folha de S. Paulo


Sergio Vale

Reforma da Previdência ou crise

As preocupações a respeito da aprovação da reforma da Previdência começam a aumentar. Algumas derrotas, como a da PEC 395/14, que permitia cobrar por pós-graduação nas universidades federais, elevam a tensão sobre a capacidade do governo em ganhar as quatro votações necessárias.

Talvez não esteja muito claro quão negativo pode ser o impacto de uma derrota neste momento. O presidente Michel Temer chegou a ser otimista ao dizer que em sete anos não haveria espaço no orçamento para nada mais que a Previdência.

Alguns congressistas apenas se preocupam em votar reforma tão sensível para a população a poucos meses da eleição. Os impactos negativos, entretanto, são muito mais graves do que os cálculos políticos.

Vale lembrar aqui que o argumento de que o país sobreviveu outras vezes a derrotas nessa seara não se aplica agora. A situação fiscal, hoje, é muito pior do que nos momentos das reformas nos governos FHC e Lula.
Em nenhum momento nos deparamos com deficit público acima de R$ 150 bilhões como temos agora. A urgência hoje é muito maior, sem falar dos números sobre o envelhecimento da população.

A não aprovação terá a consequência de matar na saída a regra do teto. Como o presidente bem lembrou, em poucos anos não haverá orçamento para nada mais que a Previdência.

Em 2030, segundo nossas contas, 97% do gasto total iria apenas para a Previdência se a regra do teto não fosse revisada. A não aprovação, assim, imediatamente acenderá a luz amarela sobre a sobrevivência da regra do teto.

Além disso, essa antecipação forçará o plano B negativo de aumentar significativamente a carga tributária já a partir deste ano. Em 2018, esse impacto seria claramente recessivo.

Com a debacle fiscal, o risco Brasil voltaria a subir e a taxa de câmbio seguiria para números que poderiam facilmente chegar a R$ 3,7 ou R$ 3,8. Isso porque, além da piora fiscal, a eleição de 2018 ficaria sob risco de vitória de alguém mais extremista. Seria um cenário pior que 2002, sem a Carta ao Povo Brasileiro, como Lula o fez.

A depreciação do câmbio já pressionaria o IPCA neste ano, abortando a queda da Selic e jogando contra a recuperação da economia. Essa mudança abrupta de tendência poderia jogar o país novamente em recessão neste ano e, quase certamente, também em 2018.

Seriam cinco anos seguidos de recessão, quiçá seis, a depender de quem ganhar o páreo ano que vem. É válida a pergunta: que companhia aguenta tanto tempo em recessão?

O Congresso poderá reviver nova onda de recuperações judiciais e falências, em ritmo mais agressivo do que tivemos até agora. Se os congressistas têm medo de perder a eleição por não poderem explicar a suas bases a reforma da Previdência, será muito pior ter que explicar a ampliação do desemprego.

Vejam que não é difícil arruinar novamente a economia do país, dado que estamos apenas saindo da maior crise de todos os tempos. O jogo eleitoral de 2018 só aumento os riscos, ainda agravados por um Banco Central que apenas agora começou a acelerar a queda de juros.

A consequência é mais grave do que a inevitável visão de crescimento da inflação no longo prazo. Jogar o país em tal risco é flertar com o abismo. Inevitável pensar que tal clima aprofundará ainda mais a crise política atual.

SERGIO VALE, mestre em economia pela Universidade de Wisconsin (EUA), é economista-chefe da MB Associados

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