Folha de S. Paulo


ROBERTO PORTO e ROBERTO BODINI

Brasil e o combate à corrupção

Em tempos de euforia diante dos avanços trazidos pela Lava Jato, cabe uma reflexão sobre o combate à corrupção no Brasil. As opiniões têm sido as mais diversas.

De um lado, verificamos argumentos de que as operações realizadas pela equipe da Lava Jato fazem parte de um novo cenário jurídico, no qual se busca punição máxima para crimes de lesão máxima.

Por outro lado, observamos aqueles que clamam pela ostentação dos suplícios dos investigados, em uma técnica que, segundo Michel Foucault, pode ser equiparada aos extremos de uma raiva sem lei. Estes não desejam saber da pena jurídica aplicada -reivindicam tomar parte da punição, sob a suspeita de que não se realize em toda a sua severidade.

Não há dúvida de que a coexistência desses sentimentos antagônicos tem origem em algo bem diferente da prática judicial que vem sendo aplicada. Neste cenário ambíguo, a discussão deveria estar focada na ocorrência do crime de corrupção e sua causa.

A heterogeneidade do debate demonstração/castigo passa longe da origem do problema. É certo que os castigos disciplinares possuem a função de corrigir os desvios, devendo, portanto, ser essencialmente corretivos.
Para isso, deve o Estado, detentor da penalidade disciplinar, funcionar como parâmetro de comportamento, a partir de valores opostos definidos pela sociedade: bem e mal, lícito e ilícito.

Cabe aos órgãos públicos, em todas as esferas, ditar o padrão de comportamento a ser seguido pela sociedade, através de um sistema de aprendizado baseado na repetição da disciplina. É aí que se encontra a origem do problema.

O que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar é a inobservância da regra, tudo o que se afasta dela, o desvio. Quando o próprio Estado não dá o exemplo, fugindo da regra por ele exigida, permite que outros assim também o façam.

Segundo recente levantamento da Controladoria-Geral da União, mais de 50% dos municípios analisados quanto à implementação da Lei de Acesso à Informação tiraram nota zero. Já São Paulo, Curitiba, Brasília, João Pessoa e Recife obtiveram nota máxima em transparência.

De acordo com dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, o índice de condenação em casos de corrupção no Brasil é muito baixo, na faixa de 31%. O tempo médio de tramitação desses casos está acima da meta estabelecida pelo CNJ, de no máximo dois anos.

A reversão desse preocupante quadro requer prioridade. Precisa-se, antes de tudo, reconhecer que pouco sabemos da origem do problema.

As organizações criminosas que atuam dentro e fora do aparato governamental brasileiro são parte de um mundo em si. É fundamental conhecer de forma sistemática os diversos mecanismos que regem suas relações.

Assim como impedir que, uma vez presos, esses criminosos continuem a exercer comando dentro da organização. Sabe-se que as prisões brasileiras perderam o seu papel de aparelho transformador de indivíduos.

Sem controlar a corrupção estatal, a má administração do dinheiro público e a inaplicação de mecanismos de transparência ativa, combater a corrupção é tarefa das mais difíceis.

O sucesso do poder disciplinar, exercido pelo Estado, pressupõe algo aparentemente simples, básico - o cumprimento das regras por ele estabelecidas, a fim de que cada indivíduo da sociedade possa distinguir claramente as ações criminosas das ações virtuosas.

Um Estado disciplinado é a base de um gesto eficiente. É a partir do bom exemplo que se opera a transformação dos indivíduos.

Só assim teremos um consenso mais nítido a respeito do poder de punir e da responsabilização sistemática e enérgica dos criminosos da corrupção.

ROBERTO PORTO é promotor de Justiça em São Paulo, integrante do Grupo Especial de Delitos Econômicos - GEDEC

ROBERTO BODINI é promotor de Justiça em São Paulo, integrante do Grupo Especial de Delitos Econômicos - GEDEC

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