Folha de S. Paulo


ROGERIO CHEQUER

Comprometimento com a verdade

Começo este texto deixando claro que sou engenheiro, com carreira no mercado financeiro e de comunicação. Nos últimos três anos engajei-me no ativismo político e social. Apesar do intenso contato com jornalistas, não sou especialista em jornalismo.

As opiniões a seguir são as de um leitor comum, entrevistado com alguma frequência.

O Projeto Editorial da Folha demonstra claro empenho em distinguir a notícia verdadeira e a falsa, um grande desafio em tempos de intolerância e imediatismo das redes sociais.

Sistematizado em 12 tópicos, o comprometimento do jornal com a verdade, com o jornalismo profissional e com o leitor dá clara visão de suas intenções, nas quais acredito. Concordo com todos os princípios, mas trago reflexões em três frentes.

A primeira me remete a uma simples questão -algo mudou? Não fica claro o que a Folha mudará em relação ao que já pregava antes.

O novo projeto é uma formalização de princípios já praticados, ou devemos esperar mudanças em processos, equipe ou estrutura? Conhecer diferenças pode fazer com que os leitores não apenas acreditem na intenção mas também observem sua implementação prática.

A prática me conduz à segunda reflexão. A Folha compromete-se, no princípio 10, a distinguir o material noticioso do opinativo. É um enorme desafio, não sei se factível.

O material opinativo é facilmente explicitado como tal em seções visivelmente alocadas a colunistas e editorialistas. O problema reside no espaço das notícias, que podem carregar opiniões, vieses e ideologias, muitas vezes ocultos ao leitor, por serem apresentados como fatos, quando são, na verdade, interpretações.

Por vezes isso só pode ser captado pelo próprio entrevistado, que sabe se (e como) o material foi distorcido -seja pelo contexto da reportagem e edição ou pelos cortes escolhidos. Mas será possível evitar tais casos?

Observando as perguntas, não é difícil, principalmente no campo da política, reconhecer os jornalistas que têm dificuldade em se separar de sua ideologia -e cabe ressaltar que não são todos.

Se a isenção de um jornalista, assim como sua capacidade de análise profunda e imparcial, é diferencial cada vez mais raro, que tal lidar com essa realidade, ao invés de refutá-la?

Se as Redações forem intencionalmente montadas com jornalistas de diferentes ideologias, talvez tenhamos maior equilíbrio na obra final do jornal ao longo do tempo.

Outra forma de mitigar distorções seria ampliar um espaço aberto, com agilidade on-line, administrado por ombudsman, em que citados e entrevistados tivessem voz imediata.

A terceira reflexão refere-se ao furo jornalístico. Parece-me que há necessidade de diferenciá-lo de notícias exclusivas, que trazem não apenas a novidade mas uma análise mínima de seus fundamentos e repercussões -ou, como bem colocado, mesmo em "acontecimento já conhecido comporta um tratamento original, um ângulo imprevisto, uma visada diferente".

É isso que o leitor de qualidade busca, cada vez mais. O furo pertence geralmente ao material on-line, de consumo imediato e fugaz, fácil e rapidamente replicável.

A análise exclusiva, noticiosa ou opinativa, célere e oportuna, esta sim deve ser a "prioridade máxima do trabalho jornalístico".  

Venerável a iniciativa desta Folha em expor seus critérios e convidar amplo espectro de comentaristas para criticá-los livremente. É um excelente começo de execução do que se prega.

ROGERIO CHEQUER é empresário, líder e porta-voz do Movimento Vem Pra Rua e colunista da Folha

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