Folha de S. Paulo


editorial

Cultura sustentável

São positivas, embora incipientes, as mudanças na Lei Rouanet anunciadas pela pasta da Cultura. Implementadas via instrução normativa, as novas regras buscam conferir maior transparência e celeridade ao principal mecanismo oficial de incentivo à cultura.

Há muito a legislação carecia de melhora. Em especial nos últimos meses avolumaram-se críticas e denúncias de irregularidades em seu funcionamento.

Em junho do ano passado, a Operação Boca-Livre, deflagrada pela Polícia Federal, revelou uma série de fraudes na utilização da Rouanet, com desvios estimados em R$ 180 milhões desde 2001.

Em setembro foi instaurada CPI na Câmara para apurar tais delitos, mas grande parte do debate vem sendo obscurecido pela polarização ideológica em torno do tema.

Nesse cenário, são oportunas as normas divulgadas pelo ministério para coibir possíveis golpes. A partir de agora, produtores utilizarão um cartão para movimentar os recursos captados por meio da lei, o que permitirá a disponibilização imediata dos gastos no site do Portal da Transparência.

No modelo anterior, a prestação de contas ocorria de forma manual, com o envio das notas fiscais. Como o governo mostrou-se incapaz de fiscalizar tamanho volume de documentos, mais de 8.000 projetos continuam sem análise.

Em resposta a outra distorção da lei, criaram-se parâmetros para limitar a concessão de benefícios tributários a atividades que podem se financiar no mercado.

Passa a vigorar teto de R$ 10 milhões para a captação em cada projeto; vedam-se propostas cuja perspectiva de receita seja superior ao valor pedido de patrocínio.

Ainda que meritórias, as novas normas são um paliativo enquanto não se vota o projeto de reforma da Rouanet, cuja tramitação no Congresso já dura sete anos.

Quando de sua criação, em fins de 1991, a lei buscava diversificar as formas de financiamento da cultura por meio da participação do mercado. Na prática, a política de benesses oficiais acabou por desestimular o investimento privado.

Patrocinadores podem descontar do Imposto de Renda até 100% do que desembolsaram. Artistas nem precisam se preocupar com a bilheteria, uma vez que os projetos já estão pagos no lançamento.

Reformular a lei demandará esforços para estimular um mercado sustentável, em que empreendedores assumam contrapartidas e riscos -com o incentivo estatal concentrado nas atividades de formação (bibliotecas, cursos) e de menor vocação comercial.

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