Folha de S. Paulo


editorial

Recuo tático

Não deixa de inspirar receio a decisão do governo Michel Temer (PMDB) de excluir de sua proposta de reforma da Previdência servidores de Estados e municípios.

Trata-se de revés considerável no propósito inicial de igualar as condições de aposentadoria oferecidas a todos os brasileiros, sejam homens ou mulheres, trabalhadores urbanos ou rurais, do setor público ou privado.

Já havia sido aberta uma exceção incômoda, mas justificável, aos militares. Sob o argumento de que as Forças Armadas merecem tratamento especial na maior parte do mundo, dadas as peculiaridades da carreira, optou-se por uma revisão à parte de seu generoso regime de pensões.

Diga-se, de passagem, que nada se viu a esse respeito até aqui —e que só entre os militares federais o deficit previdenciário ultrapassa os R$ 30 bilhões ao ano.

Com a soma de todos os civis estaduais e municipais, o rol dos poupados pela reforma torna-se ampla maioria —de 70%— entre os cerca de 7,7 milhões de funcionários públicos do país.

Nessa hipótese, as novas regras em exame pelo Congresso seriam aplicadas a pouco mais de 850 mil servidores federais e a 1,5 milhão de municipais sem regime próprio, hoje atendidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Tudo isso considerado, entretanto, a concessão do governo às pressões do funcionalismo parece mais um recuo calculado do que uma demonstração de inesperada fragilidade parlamentar.

Não seria realista imaginar que um projeto tão complexo, que em graus variados impõe sacrifícios a toda a sociedade, fosse passar incólume pelo crivo de deputados e senadores. A negociação, nesse sentido, tende a facilitar o caminho para o restante da reforma.

Com a fixação de idade mínima de 65 anos para as aposentadorias e a alteração do cálculo dos benefícios, entre outras providências, será possível ao menos estancar a expansão contínua e insustentável do gasto federal.

Já os governadores e prefeitos terão de arcar com o ônus político de encaminhar suas próprias propostas de reformulação dos regimes locais. Dado o esvaziamento geral dos cofres, é improvável que os governos regionais possam esquivar-se da tarefa.

A reforma, no entanto, não deve se limitar a responder às imposições orçamentárias —por dramáticas que elas sejam.

Para que ganhem legitimidade, as novas normas previdenciárias não podem conceder privilégios a estratos mais influentes da sociedade. É com isso em mente que os desejáveis entendimentos políticos precisam ser conduzidos.

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