Folha de S. Paulo


SERGIO DUARTE

Proibir as armas nucleares

Pela primeira vez desde a fundação das Nações Unidas, a maioria da comunidade internacional parece estar pronta a dar um passo fundamental para a abolição do armamento nuclear.

Em sua primeira sessão, em janeiro de 1946, a Assembleia Geral da ONU determinou o estabelecimento de uma comissão encarregada de "tratar dos problemas decorrentes da descoberta da energia atômica e outros assuntos relevantes" e apresentar propostas para a "eliminação das armas nucleares e outras armas de destruição em massa". Não houve seguimento dessa decisão.

Nas décadas subsequentes, diversos instrumentos internacionais se ocuparam de evitar o aumento do número de países que dispõem de armas nucleares. Até hoje, porém, não tem sido possível obter compromissos internacionais juridicamente vinculantes e irreversíveis.

Embora os possuidores dessas armas tenham efetuado voluntariamente certas reduções unilaterais ou bilaterais, todos têm se esforçado constantemente para aperfeiçoar o alcance, a precisão e a potência destruidora de seu armamento.

O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que entrou em vigor em 1970, dividiu o mundo em duas categorias estanques de países: de um lado, os cinco que já possuíam armas nucleares até a data-limite de 1º de janeiro de 1968 (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia); de outro, aqueles que não possuíam.

Posteriormente, outras quatro nações obtiveram seu próprio armamento atômico (Coreia do Norte, Índia, Israel e Paquistão). Pelo artigo VI do TNP, os cinco primeiros se comprometeram a "entabular negociações de boa fé e em breve prazo" que levem ao desarmamento nuclear. Até hoje, porém, nenhum dos nove possuidores demonstrou interesse efetivo em promovê-las.

Três conferências internacionais, em 2012 e 2014, analisaram os efeitos da detonação nuclear: danos irreversíveis e generalizados às populações e ao meio ambiente e carência de recursos para fazer face à emergência humanitária decorrente.

Em 2015, 127 Estados, inclusive o Brasil, firmaram um compromisso Humanitário destinado a "proibir, estigmatizar e eliminar" essas armas.

A frustração da maior parte da comunidade internacional com a falta de progressos concretos resultou na decisão da Assembleia Geral de convocar uma conferência aberta a todos os membros da ONU.
A resolução obteve 113 votos favoráveis, 35 contrários e 13 abstenções. O Brasil foi um dos principais proponentes da medida.

Os países e entidades da sociedade civil que apoiam a ideia acreditam que um tratado que proíba a posse e o uso de armas nucleares, ainda que não venha a ser universalmente subscrito, será um poderoso instrumento jurídico e moral.

Os trabalhos na Assembleia Geral começarão na próxima semana. O mundo deve acompanhar com interesse as negociações, nas quais toda a comunidade internacional deposita grandes esperanças.

SERGIO DUARTE é embaixador. Foi Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento

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