Folha de S. Paulo


editorial

Fuga ao Brasil

Num momento em que portas para imigrantes se fecham em países como os Estados Unidos e a Argentina, é bem-vinda a decisão do governo brasileiro de conceder residência temporária a cidadãos da Venezuela e de nações limítrofes que não integram o Mercosul.

Desde o início deste mês, venezuelanos, guianenses e surinameses têm direito à permanência automática de até dois anos após encerramento do prazo de 90 dias do visto de turista —as mesmas regras já valiam para os oriundos de outros países sul-americanos.

A decisão beneficiará sobretudo aqueles que chegam ao Brasil para fugir do descalabro político, econômico e social do regime chavista ora comandado por Nicolás Maduro —cujos efeitos mais devastadores são a escassez de alimentos, a violência urbana e a maior taxa de inflação do mundo.

É certo que o Brasil, ainda recobrando-se de uma das piores recessões de sua história, está longe de oferecer boas oportunidades econômicas. A opção pelo país dá a medida do desespero dos venezuelanos, muitos dos quais pedem esmolas nas ruas de Boa Vista (RR).

Em todo caso, receber imigrantes durante períodos de crise, ou mesmo ruína, não configura situação excepcional. Devido à proximidade com regiões em colapso, os países mais pobres registram o maior número de refugiados. A Etiópia, por exemplo, já acolheu 700 mil deles, vindos do Sudão do Sul, da Eritreia e da Somália.

O fluxo ao Brasil ainda é diminuto. Em 2016, pouco mais de 2.000 venezuelanos solicitaram refúgio em Roraima; o número deve elevar-se neste ano. Na grande leva anterior de imigração, cerca de 80 mil vistos humanitários ou concessões de trabalho foram facultados a haitianos.

A absorção de imigrantes e refugiados, por óbvio, não se dá sem dificuldades. Há queixas, por exemplo, quanto ao custo das taxas exigidas no processo de regularização da permanência —que, somadas, podem chegar a R$ 372, considerados proibitivos para o padrão de renda de alguns países da região.

Em Roraima, principal porta de entrada dos venezuelanos, o governo estadual já decretou situação de emergência em saúde. Há relatos de abrigos precários e sobrecarga em escolas e hospitais.

São problemas inerentes às políticas de imigração, complexas e polêmicas em todo o mundo. O Brasil, aliás, fará bem em atualizar a sua, tendo como ponto de partida uma nova legislação já em debate avançado pelo Congresso Nacional.

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