Folha de S. Paulo


editorial

De volta à guerra

O Complexo do Alemão é retrato fiel das frustrações da política de segurança pública do Rio de Janeiro.

O conjunto de 15 favelas na zona norte da capital fluminense foi ocupado em novembro de 2010 em uma megaoperação que contou com os esforços de 2.700 homens, entre integrantes das polícias e das Forças Armadas.

Vivia-se o auge da política de pacificação encampada pelo então secretário de Segurança do Estado, José Mariano Beltrame. Duas bandeiras —a nacional e a do Rio— hasteadas no Alemão tornaram-se imagens emblemáticas pelo que pareciam simbolizar: a vitória sobre o tráfico de drogas.

A ação revelou-se por fim menos exitosa do que parecia na época, o que se reflete, de forma mais ampla, na crise do modelo das Unidades de Polícia Pacificadora.

O conceito das UPPs se baseia no policiamento de proximidade, na presença constante de agentes em território antes dominado por facções criminosas. A retomada do controle pelo Estado, previa-se, seria acompanhada pela normalização de serviços como escolas e postos de saúde.

Embora não na velocidade e proporção esperadas, isso de fato se deu, sobretudo nas comunidades menores, o que acarretou queda nos homicídios nas favelas.

Tal sucesso não se repetiu em grandes conglomerados, tanto por falta de suportes financeiros adequados quanto pelo desgaste do projeto, cuja contrapartida social nunca se realizou a contento.

A despeito das quatro UPPs instaladas em sua área e dos R$ 700 milhões investidos em obras, incluindo um teleférico hoje inoperante, o Alemão não foi pacificado.

Desde o início de fevereiro são diários os confrontos entre policiais e traficantes. À escalada da violência se seguem a degradação dos serviços ali ofertados e o aumento de denúncias a respeito de abusos cometidos pela Polícia Militar contra os moradores, conforme noticiou esta Folha.

O enfraquecimento das UPPs elevou a violência mesmo em comunidades menores como o Morro dos Prazeres, na região central da cidade, onde uma turista foi baleada no Carnaval.

O descalabro financeiro do Rio, por certo, agrava ainda mais esse quadro. Salários de policiais estão atrasados e não há no momento perspetiva de novas UPPs.

Apesar das falhas em sua execução, o projeto de unidades pacificadoras teve o efeito meritório de destacar o papel central das políticas sociais no combate ao crime. Vê-lo sucumbir às cenas de guerra é um retrocesso lamentável.

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