Folha de S. Paulo


FERNANDO MARCATO

Concessão do Bilhete Único é legal

O recente anúncio de que o prefeito de São Paulo, João Doria, pretende conceder à iniciativa privada a exploração do Bilhete Único na capital paulista vem gerando questionamentos por parte de advogados e juristas.

Argumenta-se que a prefeitura não pode facultar ao mercado explorar dados pessoais dos usuários do cartão, o que tornaria o projeto de concessão ilegal. Essa afirmação, porém, não se sustenta.

É evidente que dados pessoais do consumidor não podem ser utilizados sem seu consentimento. Isso não significa, porém, que a concessão do serviço de bilhetagem, tanto para transporte de ônibus como para o metroviário (neste último caso pelo Estado de São Paulo), seja ilegal.

Primeiramente, em um caso dessa natureza a remuneração do concessionário não advém necessária e exclusivamente do uso dos dados.

Os operadores do transporte público poderão ser chamados a remunerar o operador da bilhetagem, pois são beneficiários diretos desse serviço. Isto é, o concessionário da bilhetagem presta serviço de arrecadação e controle das receitas obtidas com o transporte público, devendo ser remunerado para tanto.

Em segundo lugar, é possível auferir receitas e gerar valor com informações obtidas com o cadastro do Bilhete Único sem ferir a privacidade dos usuários. A prefeitura pode filtrar as informações que são disponibilizadas ao concessionário.

Ainda que dados pessoais (nome, endereço, filiação) não possam ser fornecidos sem consentimento, é possível liberar informações sobre volume de passageiros transportados, perfil socioeconômico e número de viagens, por exemplo. Desde que não se identifique o nome do usuário, não há vedação legal.

Um terceiro aspecto a ser considerado é que o futuro concessionário da bilhetagem poderá oferecer um sistema alternativo ao Bilhete Único, que permita aos usuários se cadastrarem e autorizarem a utilização de seus cadastros.

Nessa hipótese, o cidadão que não concordasse com a liberação continuaria a utilizar o Bilhete Único tradicional. Já os que aceitassem poderiam se cadastrar em algum aplicativo ou site que integrasse um conjunto de outros serviços de natureza comercial.

Vale notar que modelo semelhante é adotado pela própria Prefeitura de São Paulo com a zona azul (parquímetro). A empresa Porto Seguro-Estapar foi autorizada a explorar esse serviço digital.

Dessa maneira, os usuários podem optar por utilizar o cartão físico, vendido em bancas, ou o cartão digital. Neste último caso, devem baixar o aplicativo em seu celular e aderir a seus termos e condições.

A concessão, portanto, da bilhetagem de transportes públicos (sejam eles municipais ou estaduais) é um modelo legal e deve ser incentivado. Naturalmente, não se deve negligenciar a proteção das pessoas, que pode se dar por meio de cláusulas contratuais bem redigidas e por um regulamento de serviços adequados fiscalizados pela prefeitura.

Não há, portanto, qualquer ilegalidade no debate sobre o Bilhete Único. Basta que, oportunamente, os cuidados legais sejam tomados, garantindo segurança jurídica a governo, investidores e, em especial, aos usuários.

FERNANDO MARCATO é professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e sócio da GO Associados, consultoria em negócios e serviços

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