Folha de S. Paulo


José Ruy Lozano

Darwinismo pedagógico

A decisão do Ministério da Educação de transformar a Prova Brasil em avaliação censitária, obrigatória a todos os estudantes concluintes do terceiro ano do ensino médio, ameaça relançar o já desacreditado ranqueamento de colégios e aprofundar distorções lamentáveis nos processos de aprendizagem.

Desde que o governo passou a publicar os resultados do Enem por escola, muitas instituições particulares sentiram-se obrigadas a buscar boas colocações e competir pelos primeiros lugares no famigerado "ranking".

Para tanto, uniformizaram conteúdos, metodologias e avaliações, tornando o segmento médio uma espécie de cursinho com três anos de duração. Não são poucas as escolas que abandonaram projetos diferenciados para abraçar a corrida pelo pódio educacional.

Atividades de investigação e pesquisa, composições curriculares alternativas, sequências didáticas inovadoras: quantas iniciativas de renovação foram abreviadas ou mesmo abortadas pela imposição da hierarquia de desempenho.

Afinal, o que fazer para obter bons resultados numa prova composta por dezenas de questões de múltipla escolha? A resposta de alguns estabelecimentos escolares foi intensificar o adestramento de seus alunos, com muito material apostilado e a conversão do "simulado Enem" em principal instrumento de avaliação.

Outros colégios espertamente abriram "unidades" exclusivas para alunos de alto rendimento, e com elas produziram verdadeiras fraudes com cara de "excelência educacional".

Mas a consequência mais funesta da busca incessante por resultados é o abandono ou a virtual exclusão de estudantes com dificuldades de aprendizagem. O ranqueamento é indutor desse modelo darwinista nas escolas particulares - cujo desejo é selecionar os pretensamente bons, alijando aqueles considerados menos capazes. A lei da selva, enfim.

É fato que avaliações externas de desempenho podem ser ferramentas importantes para o planejamento pedagógico. Com elas é possível detectar lacunas conceituais, identificar habilidades pouco desenvolvidas e, consequentemente, aprimorar procedimentos de ensino.

Não haveria razão para temer exames de tal natureza.

Apropriações indevidas e leituras apressadas, no entanto, fazem com que avaliações se tornem não uma etapa do processo, mas produto final e principal de toda a ação educativa. O professor assume como única tarefa transmitir informações e treinar a resolução de algoritmos e de testes.

Todos os discursos a respeito da renovação da escola, desde a consideração das múltiplas inteligências até a proposição de novas formas de aprendizagem, não podem se materializar na prática, diante da busca exclusiva por acertos em um teste.

A expansão da Prova Brasil poderá representar a oficialização do ranking escolar com selo governamental. Esperamos que as autoridades responsáveis inibam tentativas indevidas de ranqueamento e saibam dar a devida dimensão a algo que é apenas um de muitos instrumentos para a avaliação escolar.

Os educadores não podem ficar reféns de uma única prova.

JOSÉ RUY LOZANO é sociólogo, autor de livros didáticos, conselheiro do Cipi (Conselho Independente de Proteção à Infância) e coordenador pedagógico geral da Rede Alix - Colégio Nossa Senhora do Morumbi

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