Folha de S. Paulo


editorial

Paz precária

Com atrasos e improviso, teve início neste mês o processo de entrega de armas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), um das etapas mais importantes do acordo entre a guerrilha e o presidente Juan Manuel Santos.

Nesta primeira fase, 30% do arsenal já deveria ter sido entregue, mas problemas logísticos e de infraestrutura impediram o cumprimento da meta, colocando em risco o almejado desarmamento completo até 1º de junho.

O projeto de comunidades rurais para abrigar cerca de 7.000 guerrilheiros desmobilizados representa o principal obstáculo aos objetivos traçados. Das 26 previstas, nenhuma ficou pronta a tempo.

Em ambiente tão precário, levantam-se dúvidas quanto à eficácia do uso desses locais para a reinserção na vida civil. Já há registros de pessoas que abandonaram essas zonas de paz e decidiram se unir a quadrilhas de narcotraficantes que ocupam áreas de cultivo e produção de cocaína antes controladas pelas Farc.

Também é objeto de questionamento a capacidade do Estado colombiano de administrar um segundo momento mais complexo do acordo, quando as Farc se tornarão uma agremiação política formal após protagonizarem um conflito civil que durou 52 anos e deixou mais de 200 mil mortos.

O temor de uma nova onda de violência é alimentado pelo assassinato de 120 ativistas de direitos humanos e líderes comunitários colombianos nos últimos meses, crimes quase sempre sem solução.

O conturbado cenário político tampouco ajuda. Santos viu sua popularidade despencar em meio a escândalos de corrupção e a um cansaço geral com o processo de paz, cujas negociações se arrastaram por mais de quatro anos.

Tal situação por ora dá fôlego às forças lideradas pelo ex-presidente Álvaro Uribe nas eleições marcadas para o próximo ano. A oposição questiona a própria base legal do acordo de paz, derrotado por pequena margem em referendo no ano passado e aprovado mais tarde pelo Congresso com pequenas modificações.

Apesar das dificuldades, pesam a favor do processo o apoio da comunidade internacional a Santos, agraciado com o Nobel da Paz, o compromisso assumido pelas Farc e o respaldo da cúpula das Forças Armadas do país.

Para o presidente colombiano, dois passos são essenciais no curto prazo —aprimorar as etapas de desmobilização dos guerrilheiros e unir o país em torno da ideia de que um acordo, mesmo falho, é melhor do que uma guerra sem fim.

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