Folha de S. Paulo


Barbara Sturm e Luciana Branco

Convidadas malcomportadas

Na noite deste domingo (26), olhos e ouvidos do mundo estarão voltados para a cerimônia de entrega do Oscar. Embora a audiência do evento venha caindo, quase 35 milhões de americanos assistiram à premiação ao vivo pela TV em 2016. Outros milhões acompanharam via redes sociais.

A Academia trabalha para oferecer um show de entretenimento e humor, mas a primeira cerimônia do Oscar na gestão Donald Trump promete ares mais políticos. Imigração, igualdade de raça e de gênero estão na pauta.

Antes de se tornar indústria global, o cinema, ainda mudo, era majoritariamente produzido e dirigido por mulheres. Com a industrialização, os homens passaram a se interessar pelo ofício e, assim, o ponto de vista masculino passou a marcar as narrativas.

Essa ordem é refletida na premiação. Realizada desde 1929, somente em 2010 uma mulher ganhou o Oscar de melhor direção, conquista de Kathryn Bigelow com "Guerra ao Terror". A baixa representatividade das mulheres no cinema é global.

As vozes femininas da sétima arte vêm chamando a atenção para todas essas questões. Em 2015, a atriz Reese Witherspoon trouxe à tona a campanha #AskHerMore, criada para estimular a imprensa a perguntar questões que transcendam a grife dos vestidos.

A última premiação do Globo de Ouro teve valor histórico pelo discurso da atriz Meryl Streep, que propôs uma reflexão sobre como Hollywood é fruto das imigrações.

Assim que soube da indicação de "O Apartamento" ao Oscar de melhor filme estrangeiro, a atriz iraniana Taraneh Alidoosti tuitou que boicotaria a cerimônia, em reação ao então desejo de Donald Trump de suspender a entrada de cidadãos muçulmanos nos EUA, o que mais tarde se confirmou em decreto.

Se a voz feminina vem se impondo nos palcos dos grandes prêmios, é preciso mais do que nunca levar essa reflexão para a tela grande. Muita coisa já mudou -vide a indicação de três mulheres negras na mesma categoria (atriz coadjuvante), o que ocorre pela primeira vez em 89 edições do Oscar. Mas o caminho a percorrer ainda é longo.

Em 1985, a cartunista Alison Bechdel criou o Teste de Bechdel, que consiste em fazer três perguntas a qualquer obra de ficção: 1) existem pelo menos duas personagens femininas com nome? 2) elas conversam entre si? 3) elas falam algo que não seja sobre homens?

Pode soar simplista, mas é importante saber que mais da metade dos filmes comercializados em 2016 não passa no teste. Obras de diversas categorias, produzidas, interpretadas ou não por mulheres e feitas ou não para mulheres.

Dessa forma, seja no humor, no drama, no romance ou no suspense, a narrativa machista domina o escuro do cinema e segue condicionando o comportamento da sociedade.

"Moana", a primeira princesa da Disney sem príncipe, uma heroína que não sonha em viver uma história de amor, já mostra uma mudança e traz às telas valores contemporâneos do poder do feminino.

Por isso a importância de atrizes "malcomportadas" nas cerimônias, como Reese Witherspoon, Taraneh Alidoosti e Meryl Streep.

Premiação após premiação, discurso após discurso, o olhar para o feminino conquista espaço, valor e o poder necessário para uma sociedade igual. Que hoje os artistas de Hollywood usem o microfone de novo em prol da igualdade entre os gêneros.

BARBARA STURM é cofundadora do festival de cinema Cineramabc

LUCIANA BRANCO é relações públicas e fundadora da consultoria [ EM BRANCO ]

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