Folha de S. Paulo


Roberto Azevêdo

Facilitar o comércio internacional

Em setembro de 2016, durante a reunião do G20 na China, uma cena diferente chamou a atenção de todos. Em meio a olhares curiosos de jornalistas e convidados, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e o presidente do grupo Alibaba, Jack Ma, abriram juntos uma caixa de papelão que havia sido expedida no Canadá, poucos dias antes, pela plataforma eletrônica chinesa.

Dentro, uma especialidade canadense: lagostas frescas gigantes, que começam a cair no gosto dos chineses. A foto dos dois viralizou rapidamente.

Sob o risco de dizer o óbvio, uma coisa é certa: com procedimentos aduaneiros complicados, caros e demorados, produtos perecíveis do Canadá definitivamente não acessariam o mercado chinês.

A mesma lógica se aplica globalmente e vale, em diferente medida, para todos os setores. Ao longo daqueles encontros na China, conversei com o empresário chinês, com o primeiro-ministro canadense e outros líderes do G20 sobre como simplificar e estimular o crescimento dos fluxos comerciais.

A Organização Mundial do Comércio acaba de obter uma importante vitória nesta área. Nesta semana entrou em vigor o Acordo de Facilitação de Comércio (AFC), o primeiro acordo global da OMC. Com a ratificação de 112 membros, superamos a meta necessária para que o AFC comece a produzir efeitos. Este acordo trata justamente de reduzir custos desnecessários e harmonizar procedimentos aduaneiros em nível mundial.

Estudos mostram que a implementação do AFC deve diminuir os custos das transações comerciais globais em 14,3% em média, gerando um impacto maior do que se houvesse a eliminação de todas as barreiras tarifárias ao comércio existentes hoje. A implementação do acordo deve acrescentar US$ 1 trilhão por ano ao comércio mundial.

O Brasil faz parte deste Acordo. As empresas ganharão com reformas tanto no País como no mercado de destino dos seus produtos.

Segundo um levantamento de 2014 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a burocracia perde apenas para o câmbio na lista dos principais obstáculos às exportações.

Várias iniciativas já estão em curso no Brasil para lidar com esse desafio. E, como em todos os países, há sempre espaço para fazer mais. O novo acordo da OMC complementa esses esforços e serve de referência para mais reformas, no Brasil e em todo o mundo.

Num país em que a participação das pequenas e médias empresas no comércio ainda é pequena, a facilitação dos trâmites aduaneiros é especialmente bem-vinda.

O AFC pode ser o empurrão que faltava para que muitas dessas empresas atuem também fora das fronteiras nacionais. Setores como o agronegócio também ganham com mais agilidade -afinal, a demora nas fronteiras é especialmente cruel com produtos perecíveis.

Também serão beneficiadas as exportações nos setores de moda, calçados e confecções, já que as últimas tendências, evidentemente, não esperam a burocracia.

O acordo ainda dá mais competitividade para as empresas brasileiras integradas em cadeias globais de valor, que dependem de componentes importados para produzir e depois exportar.

Especialmente num momento de incertezas no cenário global, a entrada em vigor do Acordo de Facilitação de Comércio é uma grande notícia. Mostra que a OMC é capaz de entregar resultados significativos, e renova o ânimo dos que defendem a cooperação econômica global em torno de objetivos comuns.

ROBERTO AZEVÊDO, diplomata, é diretor-geral da OMC - Organização Mundial do Comércio

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