Folha de S. Paulo


PEDRO ERNESTO ARAÚJO MARINHO

Carnaval deve ser politicamente correto? NÃO

MARCHINHAS NÃO SÃO OFENSIVAS

Surgiu no pré-Carnaval deste ano uma discussão, motivada pelas tendências do politicamente correto, a respeito de algumas marchinhas de Carnaval compostas nas décadas de 1930 a 1960.

Fica a pergunta: quem tem razão nesse debate? Os que tocam e cantam a plenos pulmões nos folguedos de momo ou aqueles que acham as marchinhas preconceituosas?

No alto dos seus 99 anos, o bloco Cordão da Bola Preta, um dos grandes responsáveis pela perpetuação do vasto repertório carnavalesco, jamais entrará nessa onda de vetar músicas, sob pena de ferir mortalmente a festa mais popular do nosso país.

A maioria das ditas "modinhas carnavalescas" foi lançada nas famosas temporadas de pré-Carnaval do Bola, que começavam no primeiro sábado após o Dia de Finados e se estendiam até o "Sábado da Vitória", que hoje é conhecido como o "Sábado das Campeãs", ocasião em que as escolas campeãs do desfile voltam ao sambódromo.

Por isso o Cordão da Bola Preta foi consagrado como o Quartel General do Carnaval.

Na nossa visão, as letras dessas músicas não representam nenhuma forma de incentivo ao preconceito contra quem quer que seja.

Muito pelo contrário. Quando foram compostas, tinham o cunho de elogiar, de engrandecer os personagens retratados em seus versos.

Vejam o caso do "O Teu Cabelo Não Nega". Foi criada com o objetivo de homenagear a beleza da mulher mulata.

Nunca vi alguma mulher se sentir ofendida por essa música. Na trajetória quase centenária do Cordão da Bola Preta, nunca houve qualquer conotação de preconceito ou de diminuição da mulher mulata.

"Cabeleira do Zezé", outra música acusada de estimular preconceito, foi lançada na temporada de pré-Carnaval do Bola no final de 1963.

Os compositores João Roberto Kelly e Roberto Faissal tinham o objetivo de homenagear um garçom de nome Zezé, um cidadão de longa cabeleira, algo muito comum naquela época, quando os Beatles eram os maiores ídolos da música.

Há uma outra observação importante a ser feita -o linguajar era outro na época em que todas essas músicas hoje criticadas foram lançadas. É muito equivocado julgar essa produção musical por padrões morais de hoje.

Uma das premissas do Cordão da Bola Preta é prezar pela liberdade no Carnaval. Deve ser respeitada a opinião de blocos e bandas que não desejam incluir as referidas músicas em seus repertórios.

Nosso bloco, no entanto, continuará tocando todas elas. O motivo é bem simples: os foliões amam essas músicas de paixão.

Existem situações no nosso cotidiano muito mais preconceituosas e desrespeitosas do que as inocentes marchinhas.

Se a norma agora for regular o Carnaval pela ideologia do politicamente correto, é melhor nem ter mais a folia. Será então um outro tipo de comemoração.

O Carnaval é o Carnaval justamente por ser politicamente incorreto, livre de qualquer ideologia. Nosso bloco só se mantém há tanto tempo por ser irreverente.

A única regra que deve valer nos dias de festa momesca é o respeito ao próximo, o respeito ao patrimônio público.

Dito isso, devemos saudar todos os nossos compositores de Carnaval. A eles devemos a alegria que será farta nos próximos dias.

PEDRO ERNESTO ARAÚJO MARINHO, aposentado, é presidente do bloco Cordão da Bola Preta desde 2007

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: