Folha de S. Paulo


Pedro Granato e Rudifran Pompeu

Cultura não congela

A cultura não está respirando. Neste momento, com 43,5% de seu orçamento congelado por parte da prefeitura, a cultura na cidade de São Paulo sofre de falência múltipla de órgãos.

Os valores de que a secretaria municipal dispõe para desenvolver e manter suas ações não cobrem nem seus custos operacionais.

A Emia (Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo), criada há 37 anos com o intuito de promover a aprendizagem baseada no fazer artístico, teve o início de suas aulas adiado e sofre ameaças de cortes. Projetos aprovados em leis importantes -como fomento à periferia, ao teatro e à dança e o prêmio Zé Renato -estão interrompidos. Isso é uma violência a que tentam dar um verniz de prudência.

Esse tipo de descontinuidade atropela a decisão do Legislativo, interrompe leis e torna a sociedade refém de decisões do Executivo. Por trás de uma suposta austeridade fiscal percebe-se uma lógica autoritária, em que as ações do poder público dependem exclusivamente da boa vontade de cada novo governante.

De que adiantam leis se elas são "congeladas"? Não cabe aqui o discurso da crise, pois, ao aprovarem o Orçamento para o exercício de 2017, os vereadores tinham consciência dos recursos esperados para este ano. Não houve surpresa na arrecadação, e sim na aplicação de recursos previstos em lei.

Uma ação como essa coloca a cultura como menos importante do que qualquer outra necessidade. Como se fosse algo supérfluo, não um fundamento da sociedade. Um luxo, não um direito.

Trata-se de um erro grave de diagnóstico. Chegou a hora de assumirmos a metrópole que somos, com uma atividade cultural que não deve nada a nenhuma cidade do mundo. São Paulo é um centro cultural mundial e precisa agir como tal.

O que queremos são compromissos. Continuidade independente do governante de ocasião. É urgente que se compreenda a cultura como processo de inclusão e cidadania. Como algo inalienável da identidade de São Paulo, não um enfeite que se possa desmontar e apagar conforme o interesse do dia.

A pasta da Cultura não recebe nem 1% do Orçamento da cidade. Um congelamento de 43,5 % e ameaças de cortes desta mísera verba são sinais de quebra de qualquer diálogo com o setor. Cada lei foi conquistada após anos de debates entre sociedade, Legislativo e diferentes ocupantes do Executivo.

A cultura de uma cidade não pertence a um prefeito. A cidade é da cidade. Arte e cultura são tão importantes quanto educação, se fundem na construção de nossa identidade, nossos valores. Imagine um mundo sem música, sem cinema, sem teatro, sem circo, sem literatura, sem dança, sem grafite, sem artes, sem cor... certamente você verá algo cinza, feio e asfixiante.

Quando um governante descumpre leis e interrompe ações de longo prazo, nossa cultura sofre danos permanentes. Esses erros são irreversíveis.

PEDRO GRANATO, diretor e dramaturgo, é presidente do Motin (Movimento dos Teatros Independentes)

RUDIFRAN POMPEU, diretor e dramaturgo, é presidente da Cooperativa Paulista de Teatro

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: