Folha de S. Paulo


MARCOS TOURINHO

Garantir o futuro da Lava Jato

A suspeita de que o Ministério da Justiça estaria dificultando a colaboração entre Brasil e Suíça nas investigações da Lava Jato gerou apreensão generalizada.

A cooperação internacional tem sido um eixo central do sucesso da operação. Tratados com outros países inspiraram e facilitaram práticas como a delação premiada, cruciais para a investigação.

Até agora, a Lava Jato já envolveu 120 países, rastreando o dinheiro desviado por corrupção e produzindo as provas documentais que deram sustentação às delações. O Estado brasileiro já recuperou mais de R$ 800 milhões do exterior.

Isso ocorreu graças à inserção brasileira numa rede internacional de procuradores e policiais que, formal ou informalmente, troca dados e experiências sobre seus processos. Nos melhores casos, forma equipes conjuntas de investigação -uma tendência mundial no combate à corrupção.

Tal formato reduz a burocracia, acelera a transferência de provas vindas do exterior e aumenta a eficiência de investigações que não podem se restringir às fronteiras nacionais.

No Brasil, a gestão dos acordos de cooperação jurídica internacional ocorre no Ministério da Justiça. Isso outorga ao ministro, quer quem seja, o poder de atrasar investigações a respeito de crimes cometidos por agentes públicos ou membros do próprio governo.

Trata-se de uma situação que pode gerar conflito de interesses se o ministro tentar proteger colegas e correligionários, causando danos ao combate à corrupção.

A Lava Jato tem escala global. Embora os desvios tenham sido cometidos no Brasil, os recursos foram expatriados, passando por vários países até chegar a seu destino final.
O mapeamento dessas rotas e o rastreamento do dinheiro são partes cruciais da obtenção de provas materiais e do processo de repatriamento dos recursos roubados.

Para além da corrupção, a cooperação internacional é de suma importância para combater outros crimes graves que extrapolam fronteiras: tráfico de drogas e armas, crimes informáticos, lavagem de dinheiro e terrorismo.

A melhor maneira de garantir o futuro da cooperação jurídica internacional do Brasil é o estabelecimento de um marco regulatório. Não se trata de engessar os procedimentos, já que esses processos demandam a criação de redes ágeis de funcionários públicos de vários países que trabalham de maneira coordenada.

Busca-se apenas mais segurança jurídica aos produtos da cooperação, além de garantir que um ministro da Justiça ou disputas territoriais entre as mais diversas burocracias em Brasília não atrasem processos fundamentais contra a corrupção e outros delitos graves.

É de fundamental importância fortalecer a capacidade de combater crimes que atravessam fronteiras. Para isso, o Brasil precisa simplificar a formalização de acordos de cooperação. Tratados bilaterais, como o com a Suíça, demoram anos a serem firmados e consomem vastos recursos públicos.

O mais inteligente é aderir ou firmar convenções multilaterais que simplifiquem a cooperação. Na região, o Brasil deve fortalecer os mecanismos existentes e estimular a participação de terceiros nas principais convenções internacionais.

Garantir o futuro da Lava Jato, e de muitas operações que virão depois dela, depende também de estabelecer um marco regulatório firme que torne os processos mais seguros e eficazes e proteja grandes investigações envolvendo agentes públicos da interferência de quem está no poder, seja qual for a motivação.

MARCOS TOURINHO, doutor em relações internacionais pelo Graduate Institute of International and Development Studies (Suíça), é professor da mesma área na Fundação Getulio Vargas

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