Folha de S. Paulo


PAULO SKAF

O ranço ideológico e a indústria brasileira

No começo de janeiro, a Petrobras convidou unicamente empresas estrangeiras para participar da licitação de uma obra no Comperj, complexo petroquímico na região metropolitana do Rio.

A decisão da Petrobras -buscar a maior eficiência pelo menor preço possível- é mais do que legítima. Isso não se discute.

O que está equivocado é o entendimento sobre o papel das instituições de Estado, que é justamente definir e implementar políticas capazes de gerar empregos de qualidade, além de investimentos e conhecimento tecnológico para o país. Isso é política de Estado, especialmente necessária num momento de crise como este.

É um equívoco afirmar que a política de conteúdo local impôs prejuízo significativo ao governo e ao setor de óleo e gás. Não há dúvidas de que a medida precisa ser aperfeiçoada, mas os resultados obtidos são expressivos.

De 2004 a 2014, um determinado conjunto de setores industriais fornecedores para esse mercado gerou mais de R$ 19 bilhões em investimento, 65 mil novos postos de trabalho, R$ 3,4 bilhões em salários adicionais e R$ 5 bilhões de contribuição ao crescimento do PIB.

A taxa de crescimento acumulada nesse período mostra o que o país perderia não fossem essas regras. Em investimentos, por exemplo, a economia em geral cresceu 71%. Já no mesmo conjunto de setores industriais acima citado, o salto foi de 242%.

Postos de trabalho tiveram aumento de 103%, quando na economia em geral foi de 58%. E o valor adicionado ao PIB pelo setor foi de 111%, enquanto que o da economia geral foi de apenas 37%.

Política de conteúdo local no setor de óleo e gás não é uma jabuticaba. Países como Estados Unidos, Noruega e Reino Unido adotam essas regras. Neste ano a Arábia Saudita, o maior produtor de petróleo da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), estabeleceu regras de 70% de conteúdo local.

Por outro lado, países produtores de petróleo e gás que não adotam a política de conteúdo local -como Angola, Bolívia, Equador, Líbia e Venezuela- são exemplos de má utilização de seus recursos naturais e enfrentam sérios problemas socioeconômicos.

O Brasil não pode ser somente exportador de petróleo sem que se agregue valor na cadeia de suprimentos e aproveitamento de derivados. Atividades extrativas e exportadoras valorizam o câmbio, o que vai desindustrializar ainda mais o país. Por isso, alguns autores referem-se a esse fato como "maldição do petróleo".

A indústria não necessita de ajuda da Petrobras. O setor precisa é de isonomia competitiva por meio da redução do "custo Brasil", pois convive com elevada carga tributária, juros altos, preços elevados de matérias-primas e deficiências na estrutura logística, dentre outros problemas que retiram a competitividade de quem fabrica no país.

A própria Petrobras é vítima do custo de produzir no Brasil -tanto que aqui o preço na bomba do litro da gasolina é 27% superior ao da média dos países também grandes produtores de petróleo.

A política de conteúdo local viabilizou a instalação de empresas líderes mundiais para produzirem aqui bens e serviços para a exploração de petróleo. Isso é muito importante por gerar empregos, renda e arrecadação de tributos, além de transferência de conhecimentos e tecnologias.

A instalação e a manutenção de empresas no Brasil, em qualquer setor da economia, sem importar a origem de seu capital, são fundamentais para gerar novos postos de trabalho. A política de conteúdo local tem o mérito de atrair investimentos para o país.

Não compartilhamos dos ideais ultraprotecionistas, reaparecidos recentemente. No entanto, a defesa da indústria brasileira, independentemente de sua origem de capital, é fundamental para o crescimento e desenvolvimento do país.

PAULO SKAF é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo)

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