Folha de S. Paulo


CAMILA NUNES DIAS

Pacificação em São Paulo, caos no Brasil

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem repetido que a mais nova tragédia carcerária nada tem a ver com São Paulo e que no Estado está tudo sob controle.

Trata-se de uma meia verdade: as prisões de São Paulo estão sob controle –sob o controle hegêmonico do PCC. Por estar sob o controle da facção é que o sistema prisional paulista passou quase incólume na última década no que diz respeito às cenas grotescas de violência que assistimos nas prisões de Norte e Nordeste. Contudo, não é verdadeira a afirmação de que São Paulo não tem relação com a tragédia.

Ora, olhemos para trás.

Em primeiro lugar, as prisões de São Paulo são o berço do PCC e lócus central de sua atuação. Desde 1993 (quando a facção foi criada), as prisões paulistas são terrenos férteis para a expansão do PCC, num processo que transcorreu durante os anos 1990 e 2000 –produzindo cenas muito semelhantes às de hoje.

Em 2006, o PCC demonstrou publicamente que controlava não só as prisões paulistas, mas também a dinâmica criminal fora delas.

Foi, portanto, a partir de São Paulo que o PCC foi "exportado" aos demais Estados, o que inclusive foi reconhecido por membros do Ministério Público paulista em reportagem da Folha desta segunda (16).

A expansão do PCC para além de São Paulo decorreu de dois processos distintos. Por meio das transferências de presos, especialmente para Paraná e Mato Grosso do Sul, ainda no final da década de 1990.

Na esteira das sucessivas crises que a facção provocava nas prisões de São Paulo, o governo passou a fazer permutas envolvendo os presos fundadores do PCC. Foi assim que Geleião, Cesinha e Misael tiveram êxito em fincar sua bandeira nas prisões desses dois Estados.

Além disso, a expansão do PCC para outras unidades federativas ocorreu por projeto político e econômico deles próprios, a partir de 2006. Hegemônico no Estado mais rico e em dois de seus vizinhos –com posição geográfica estratégica na economia da droga ilícita–, o PCC tinha condições de estender sua área de influência para outras regiões.

E o fez de duas formas concomitantes e inter-relacionadas: pela migração de seus integrantes para a organização da dinâmica criminal nestas regiões, principalmente o tráfico de drogas, mas também por roubos de grande porte.

Na razão direta do encarceramento de seus "migrados", o PCC passou a aumentar sua influência nas prisões de outros Estados, apostando num discurso político-ideológico cuja base é a necessidade de união do crime contra o Estado opressor.

Logrou êxito em alguns locais. Mas também provocou surgimento de facções locais, aliadas ou não ao seu projeto. O resto desta história já tem sido exaustivamente discutida e culmina com a mais nova crise.

Nestas mais de duas décadas e especialmente a partir de 2006, a política adotada pelos sucessivos governos tucanos em São Paulo –inclusive nas várias gestões do atual governador– foi a da negação de tudo o que diz respeito ao PCC.

Uma política fundada no segredo e na ocultação da forma como se administra uma população de mais de 230 mil presos em quase duas centenas de estabelecimentos prisionais em situação precária e degradante, sem que ocorram transbordamentos de violências.

Pacificação é o nome dado pelo PCC ao processo que, em São Paulo, culminou com a sua hegemonia. A pacificação do Estado foi a base a partir da qual se construiu o cenário que culminou com a explosão da violência nos presídios de Norte e Nordeste e os enormes tensionamentos nas demais regiões.

Dizer que São Paulo nada tem a ver com essa crise é mais um capítulo da nefasta política do segredo e da negação que marca a relação entre o PCC e os governos paulistas.

CAMILA NUNES DIAS, socióloga, é professora da UFABC (Universidade Federal do ABC), pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autora do livro "PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência" (2013)

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