Folha de S. Paulo


editorial

Espiral turca

Jamais será fácil enfrentar uma sequência de ataques terroristas como a que atormenta a Turquia, mas isso não significa que a comunidade internacional deva aplaudir qualquer resposta. Existem caminhos piores e melhores —e os escolhidos pelo presidente Recep Tayyip Erdogan estão entre os primeiros.

Não se trata de minimizar os desafios impostos pela onda de atentados, que matou pelo menos 286 pessoas no ano passado. Na tragédia mais recente, um terrorista da facção Estado Islâmico tirou a vida de 39 pessoas que celebravam o Réveillon em um clube noturno.

A escalada das últimas semanas inclui o assassinato do embaixador russo numa exposição de arte e a detonação de bombas por separatistas curdos nas imediações de um estádio de futebol em Istambul, com um saldo de 40 mortes.

Erdogan, ademais, tem de lidar com as graves consequências da guerra civil na Síria —que inunda a Turquia de refugiados— e sobreviveu a um golpe de Estado, em julho.

Como reação à intentona, o presidente demitiu milhares de funcionários públicos (estima-se que mais de 120 mil) com vistas a garantir a estabilidade do Estado. Ao que tudo indica, deu-se o inverso: esvaziou-se o aparato de inteligência e segurança, e o governo não consegue antecipar ameaças.

As crises simultâneas, porém, não equivalem a uma carta branca nas mãos de Erdogan, sobretudo quando pretende dilacerar as bases da já frágil democracia turca.

Contando com respaldo de parte da sociedade, o presidente cria adversários imaginários ao equiparar críticas ao governo a um crime contra o Estado. Em clima de caça às bruxas, o Ministério do Interior anunciou que investiga 10 mil pessoas pelo uso de redes sociais, alegadamente para apoiar grupos terroristas ou insultar o poder público.

A imprensa tornou-se alvo preferencial. Cerca de 150 jornalistas estão na prisão sob acusações infundadas e sem direito ao devido processo legal. Além de perseguir críticos, Erdogan insufla o nacionalismo rasteiro —tática nada inédita.

Contra a desaprovação internacional, aliados em alguns meios de comunicação insuflam teorias conspiratórias; potências ocidentais, EUA à frente, teriam ligações com as ações terroristas.

Assim como aconteceu nos EUA depois do 11 de Setembro e, mais recentemente, na Alemanha, os ataques terroristas estimulam a busca de soluções falsas no autoritarismo e na xenofobia. Nessa prova de fogo, a Turquia avança depressa no rumo oposto ao desejável.

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