Folha de S. Paulo


editorial

A fase mais difícil

Se o tortuoso processo para chegar ao acordo de paz entre o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) tensionou o país, sua implementação, a partir do ano que vem, tende a ser ainda mais difícil.

É que as negociações entre os guerrilheiros e o governo do presidente Juan Manuel Santos para encerrar o conflito que deixou 250 mil mortos em meio século se assentam em base frágil.

Em outubro, uma primeira proposta foi reprovada num referendo. No mês passado, os dois lados assinaram nova versão, à qual se incorporaram alguns dos pontos exigidos pela oposição liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

Porém, em vez de passar por consulta popular, como seria preferível, o acordo foi aprovado pelo Congresso –numa decisão ratificada pela Corte Constitucional.

Uribe logo criticou o caminho e passou a cobrar um novo referendo. Como pano de fundo, o pragmatismo eleitoral: um processo de paz bem-sucedido tornará difícil sua vitória na disputa de 2018.

Não se trata só de cálculo político. Apesar das concessões –por exemplo, condenados que venham a cumprir penas fora das prisões poderão circular apenas por certas áreas do país e não haverá juízes estrangeiros na corte especial–, manteve-se o espírito original.

Isto é, uma Justiça de transição permitirá que quase todos os guerrilheiros se livrem das prisões, e eles terão participação política garantida nas eleições de 2018 e 2022.

O presidente Santos terá a missão de instalar a Justiça especial e anistiar guerrilheiros. Do ponto de vista de seu governo e das Farc, a entrega das armas e o processo eleitoral representariam a consolidação simbólica da transição da luta armada para o Estado de Direito.

Não será fácil. Parte expressiva da população não aceita a ideia de ver no Congresso representantes de uma guerrilha responsável por incontáveis atos bárbaros.

Além disso, existem as sombras da fracassada desmobilização dos anos 1980. Ex-guerrilheiros formaram o partido União Patriótica apenas para serem exterminados por esquadrões da morte.

Os louváveis esforços de Juan Manuel Santos lhe renderam o Nobel da Paz e a Lâmpada da paz de São Francisco, conhecida como o Nobel dos católicos. De fato, ainda que imperfeito, o acordo que ele encampa traz o inestimável benefício de encerrar um conflito civil que parecia não ter fim.

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