Folha de S. Paulo


Alexandre da Cunha Filho, Glaucio de Araújo e Ulisses Pascolati

O Guardião da Constituição

Em um Estado democrático todos devem estar submetidos à lei e ao direito, sejam detentores de cargos públicos, sejam trabalhadores do setor privado. Dizer isso pouco ou nada significaria se não houvesse um órgão cuja atribuição precípua fosse zelar pelo império da lei, tanto nas relações públicas como nas privadas.

Esse órgão em nosso Estado é o Poder Judiciário, cujo órgão de cúpula é o Supremo Tribunal Federal -a quem incumbe dizer, por último e de forma definitiva, qual a interpretação do direito deve prevalecer em uma dada situação.

Ao Parlamento cabe votar leis, conforme um procedimento previamente estabelecido para tanto. Caso se desvie das respectivas regras (dentre as quais estão os regimentos internos), caberá ao Poder Judiciário, se provocado por eventual prejudicado por tal infração, avaliar se a atuação impugnada está ou não em consonância com o direito.

Dada a relevância da função acometida aos deputados e senadores, é de se esperar que a forma existente para a aprovação de leis seja cuidadosamente seguida, com a preocupação para que a deliberação a ser feita ocorra à luz do dia, após autênticos debates quanto à conveniência ou não da adoção de um projeto de lei.

Isso deve ser sopesado tendo como parâmetro o interesse da coletividade, não os anseios particulares dos próprios parlamentares, alguns dos quais desafortunadamente implicados em investigações criminais por fatos graves.

Nesse caminhar, o ministro Luiz Fux, ao determinar liminarmente o retorno para a Câmara do projeto de iniciativa popular apelidado de "10 medidas contra a corrupção", nada mais fez do que buscar garantir a manutenção da ordem jurídica.

Tal ordem inclui o regimento interno da respectiva assembleia, prestigiando o devido processo legislativo, que no caso envolve a vontade de milhões de brasileiros que assinaram o referido projeto de lei, por meio de um instrumento legítimo de participação popular direta na nossa democracia.

Cabia à Câmara, que é a casa do povo e porta de entrada de projetos oriundos da iniciativa cívica dos cidadãos, amplamente discutir as medidas -atendendo à vontade popular- e não simplesmente desfigurar o projeto após a assunção da sua paternidade por um deputado.

Assim, após amplo debate, deveriam os congressistas aprovar ou rejeitar o referido projeto. No lugar disso, de forma artificiosa incluíram nele matérias que lhe são estranhas, algumas das quais em direção diametralmente oposta ao desejo manifestado por milhares de indivíduos que acreditaram estar, com sua mobilização, contribuindo para a melhoria de nossas instituições.

O Brasil, não obstante os esforços obstinados de algumas personagens que há tempos frequentam os noticiários policiais, não é uma "republiqueta de bananas".

Por aqui há juízes dispostos a cumprir a lei e a fazer cumprir a lei, não importa a cínica tentativa de criar cortinas de fumaça escamoteando os reais desígnios por trás de arroubos falsamente moralistas de uns e outros.

Neste momento cabe ao Senado Federal, salvo decisão judicial em sentido contrário, cumprir a decisão do guardião da Constituição, que uma vez mais garantiu o império da lei (e do direito) -império este a que todos, sem exceção, estão submetidos, queiram ou não, reclamem ou não. Aliás, já é passada a hora de não termos mais brasileiros que se recusem a cumprir as leis e as ordens judiciais.

ALEXANDRE JORGE CARNEIRO DA CUNHA FILHO é juiz cível e fazendário em São Paulo. Escreveu o livro "Poder de Polícia" (IELD, 2014)

GLAUCIO ROBERTO BRITTES DE ARAÚJO é é juiz criminal em São Paulo e professor-assistente da pós graduação da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo

ULISSES AUGUSTO PASCOLATI JÚNIOR é juiz criminal em São Paulo

PARTICIPAÇÃO

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